Com o título “O surgimento do voto eletrônico e a exigência de sua impressão pelo Poder Judiciário”, eis artigo de Djalma Pinto *, advogado e autor de diversos livros entre os quais Distorções do Poder e Ética na Política.
Confira:
Pode parecer estranho, depois de tanta celeuma e demonização do tema no pleito de 2022, mas quem primeiro exigiu a exibição do comprovante impresso do voto, poucos lembram, foi o próprio Poder Judiciário, em 1995, justamente na implantação da urna eletrônica. O físico formado pela UFRJ, Paulo Cesar Bering Camarão, que chefiava a Secretaria de Informática do Tribunal Superior Eleitoral, esteve na linha de frente da implantação da votação eletrônica, utilizada pela primeira vez nas eleições de 1996. Em 1997, publicou ele o livro intitulado O Voto Informatizado: Legitimidade Democrática. Nesse livro, foi feito um resumo valioso de todo o passo a passo para a implantação, pela Justiça Eleitoral, do voto eletrônico no Brasil, com o seu comprovante impresso.
Ninguém, portanto, mais autorizado para ser ouvido do que o próprio diretor do corpo técnico do TSE por ter participado, no final do século XX, de todos os pormenores do processo inicial para a coleta, impressão e apuração do voto eletrônico. Coube a ele, por sua absoluta neutralidade, fornecer as informações essenciais e seguras para serem utilizadas, na interpretação histórica, necessária para dirimir toda a controvérsia sobre a palpitante questão da impressão do voto no Brasil.
Sobre a seriedade e a capacidade técnica do Dr. Paulo César Bhering Camarão, escreveu o Ministro Carlos Mário Velloso, então Presidente do TSE, no prefácio do citado livro sobre a implantação do sistema eletrônico de votação:
Paulo César Bhering Camarão, notável físico, melhor técnico em informática, político no sentido grego do termo, pode não ter realizado todos os seus sonhos que teve coragem de sonhar. Certo é, entretanto, que o seu maior sonho – seu e meu, da Justiça Eleitoral e dos brasileiros – foi realizado.
Os esclarecimentos do Dr. Paulo Cesar B. Camarão são fundamentais para a retirada da politização de um tema tão relevante para a vida nacional. Fazem parte da história porque atuou ele na função de Relator da Comissão de Informatização das eleições de 1996, presidida pelo Ministro Ilmar Galvão. Portanto, prestados por quem testemunhou e documentou a criação e a implantação da urna eletrônica, no processo eleitoral brasileiro. Nas tratativas para convencimento e aceitação dessa inovação pelo Legislativo e pelo Executivo, a Justiça Eleitoral deixou bem claro que, entre os princípios básicos norteadores do sistema eletrônico, merecia especial destaque o direito de auditagem e recontagem dos votos.
Não deixa de ser surpreendente, nessa necessária retrospectiva despida de qualquer ideologia, a constatação de que o Anteprojeto, encaminhado ao Poder Legislativo, objetivando implantar a urna eletrônica no Brasil, tinha como ponto de destaque a obrigatoriedade da exibição do comprovante impresso do voto. Mais inusitado, ainda, é o fato de ter sido elaborado esse anteprojeto pela própria Justiça Eleitoral, por meio da Comissão de Informatização das Eleições de 1996. Lê-se, na página 72, da obra do Relator da citada Comissão de Informatização:
b) Legislação Eleitoral – Proposta da Comissão
A proposta de Anteprojeto de Lei, encaminhada pela Comissão de Informatização das Eleições de 1996 ao Congresso Nacional, constitui a base para a elaboração dos artigos 18, 19 e 20, “
DO SISTEMA ELETRÔNICO DE VOTAÇÃO E APURAÇÃO”, da Lei nº 9100, de 29 de setembro de 1995, transcritos a seguir, que estabelecem normas para a realização das Eleições Municipais de 3 de outubro de 1996 e darão outras providências (publicados no Diário Oficial da União, em 02/10/95).
DO SISTEMA ELETRÔNICO DE VOTAÇÃO E APURAÇÃO
Art. 18. O Tribunal Superior Eleitoral poderá autorizar os Tribunais Regionais a utilizarem, em uma ou mais Zonas Eleitorais, o sistema eletrônico de votação e apuração. § 7º A máquina de votar imprimirá cada voto, assegurado o sigilo e a possibilidade de conferência posterior para efeito da recontagem.
Na discussão de tema tão relevante para a normalidade da alternância do poder político, o método histórico de interpretação é de extrema relevância. Sua utilização, além de oportuna, neste caso, impede que contradições e posições paradoxais provoquem insegurança jurídica, agravando a desconfiança de todos os envolvidos nas disputas eleitorais.
*Djalma Pinto
Advogado e autor de diversos livros entre os quais Distorções do Poder e Ética na Política.