“O Carnaval para além das telas”

Felipe Araújo é jornalista e advogado. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “O Carnaval para além das telas”, eis artigo de Felipe Araújo, jornalista e advogado. “O Carnaval faz sangrar a barragem da tecnologia e todo o esplendor do rio da vida inunda de verdade e profundidade o feed da realidade. É nele que gosto de me banhar”, expõe o articlista.

Confira:

Esses tempos tiktokers vêm editando a experiência sensorial da humanidade, com notáveis e deletérias repercussões em vários campos: comunicação, psicologia, política… O modo de apreender e significar o mundo – incluindo o próprio modo de celebrar a vida – passou a ser apenas aquele que couber na epistemologia desse pequeno e onipresente para-brisa digital; em que, aliás, eu escrevo e você, muito provavelmente, lê nesse exato momento.

Toda uma enorme “urbe” de conhecimento, memórias, práticas, sentidos e interações fica de fora desse campo de visão virtual. Para o olho de bilhões de usuários, não há retrovisores disponíveis, não dá para “baixar o vidro” e contemplar outras “vistas” (no máximo, avançar ou retroceder no feed). Como no frevo de Zé Ramalho, viramos todos um grande e coletivo olho cego que vagueia procurando por algo que não se sabe exatamente o que é. Sabemos apenas, e inconscientemente, que esse algo aplaca momentaneamente nossa sede do fugaz prazer que é olhar a rede social em busca de fragmentos do real.

Do cinema, consome-se apenas cenas aleatórias; da música, o trecho do solo virtuoso ou a atravessada constrangedora; do jornalismo, os famigerados “recortes”; da política, a fake news mais adequada à câmara de eco particular do usuário e assim por diante. Na dança, também houve essa nefasta “edição”. Os movimentos ficaram aprisionados: para caber no tempo de visualização da post, para não extravasar o campo da tela, para domesticar o próprio corpo. Reparem como é sempre triste, meio atabalhoado e redundante o passo da “influencer” ou da “beldade” do tik tok.

Com o carnaval batendo à porta, no entanto, chegam com ele a exuberância dos bailarinos/as de frevo, a leveza dos passistas de samba, a força e a elegância dos dançarinos/as de maracatu. Chega o vigor dos cortejos de rua, dos grandes desfiles. Chega também a picardia do passo bêbado na calçada, desconjuntado e indomável – o famoso “me segura que se não eu caio…”

É quando todos somos convidados a um reencontro com a amplitude. Aliás, tudo no carnaval resgata amplitudes: não apenas do nosso imaginário corporal, mas das ruas, das músicas, dos encontros, da política, da alegria! E nele me emociono frente à prisão estética que passamos a naturalizar por esse processo pernicioso de edição da vida pelas redes sociais. Não apenas em termos de conteúdo, mas em termos do que é possível olhar (e ser olhado). O olha cego vagueia procurando por um…

O Carnaval faz sangrar a barragem da tecnologia e todo o esplendor do rio da vida inunda de verdade e profundidade o feed da realidade. É nele que gosto de me banhar.

*Felipe Araújo,

Jrnalista e advogado.

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