Com o título “Uma crise civilizatória no *fim da história*”, eis artigo de Felipe Aráujo, jornalista e advogado. Ele aborda o genocídio em Gaza.
Confira:
O genocídio sionista em Gaza, a tragédia Milei na Argentina, a catástrofe Bolsonaro no Brasil (apenas por enquanto contida), a emergência climática… Eventos que articulam entre si o mesmo pano de fundo “invisível”: a crise profunda e irreversível do neoliberalismo.
O “fim da história” está em crise, em contradição consigo mesmo. Incapaz desde sempre (e por essência) de projetar um futuro minimamente sustentável, esse “fim” último neoliberal tem de, no limiar de sua sanha por lucro e barbárie, lidar hoje com as conquistas que seu predecessor, o liberalismo mais “clássico”, por assim dizer, acumulou a partir de reivindicações socialistas e comunistas ao longo dos últimos 200 anos: estado do bem estar social, voto universal, direitos sociais, trabalhistas e ambientais etc.
O que faz eclodir a carnificina perpetrada por Israel é, então, um neoliberalismo “regressivo”, para usar as palavras de Giorgio Grimaldi (em belo ensaio introdutório escrito para o livro “A questão comunista”, de Losurdo). Um sistema que se confronta com avanços civlizatórios e éticos trazidos por séculos de ideias e lutas socialistas (e que acabaram sendo absorvidas pela evolução do liberalismo). Nesse “confronto”, os neoliberais assumem de vez a necropolítica como único horizonte de atuação.
“(O neoliberalismo) não pode subtrair o sufrágio universal, então agora busca neutralizá-lo; não pode negar o reconhecimento dos direitos universais do homem em nível global, mas reveste-o ideologicamente para aboli-los; não pode renegar a ideia de livre mercado, mas precisa proteger monopólios”, escreve Grimaldi. Também não pode negar o cuidado com o meio ambiente, mas não pode parar sua engrenagem de poluição, desmatamento e extermínio de povos tradicionais. E assim por diante.
Ou seja, ainda que em claro desequilíbrio de forças, o projeto neoliberal precisa lidar com mundo em que algumas ideias e reivindicações são, “pelo menos no nível comunicativo”, inegociáveis. Daí a permanente paranoia da récua bolsonarista vestida de verde-e-amarelo e também de outros canalhas de extrema-direita a respeito de uma suposta ameaça comunista. Uma “ameaça” que é, ao mesmo tempo, inexistente – pela ausência de um projeto de tomada iminente de poder por parte de grupos comunistas politicamente organizados – e, a rigor, também existente, enquanto obstáculos (mais ou menos consolidados historicamente) à marcha insana por lucro posta em movimento por grandes bancos, big techs e corporações transnacionais.
Parodiando os versos de um antigo roqueiro brasileiro – que, aliás, abraçou o reacionarismo bolsonarista -, “Ô, criança! Isso é só o fim! Mas isso é só o fim…”
*Felipe Araújo
Advogado e jornalista.