Com o título “Direito e justiça”, eis artigo de Irapuan Diniz de Aguiar, advogado e professor. Ele aborda mais um tema da área da Segurança Pública. Confira:
A propósito de algumas decisões judiciais proferidas por magistrados em demandas que lhes são submetidas à julgamento, comporta trazer à reflexão breves considerações de ordem doutrinária reavivando os conceitos de Direito e Justiça porquanto há juízes e desembargadores que, ao prolatar sentenças, seguem cegamente à literalidade da norma sem considerar fatos e circunstâncias relatadas na peça analisada, suscetíveis de um exame mais aprofundado com vistas à promoção que expresse a melhor Justiça, vale dizer, um julgamento justo. Sabe-se que nem tudo que é direito é justo e nem tudo que é justo é direito.
Por que isto acontece, especialmente no que diz respeito aos fatos que envolvem a pendência sob julgamento? Isto ocorre porque a ideia de Justiça engloba valores inerentes ao ser humano, transcendentais, tais como a
honestidade, a moralidade, a segurança, enfim, a tudo aquilo que provém do direito natural desde a antiguidade, os quais foram solenemente ignorados nas decisões referenciadas. O Direito, por seu turno, é uma invenção humana, um fenômeno histórico e cultural concebido como técnica para a pacificação social e a realização da justiça.
Em suma, enquanto a Justiça é um sistema aberto de valores, em constante mutação, o Direito é um conjunto de princípios e regras destinado a realizá-la. E nem sempre o Direito alcança esse desiderato, que por não ter acompanhado as transformações sociais, quer pela incapacidade daqueles que o conceberam, e quer, ainda, por falta de disposição política para implementá-lo, tornando-se, por isso, um direito injusto. É exatamente o que cabe
realçar nas questões ajuizadas.
A criação do Direito não é obra exclusiva do legislador, como comumente se pensa e se ensina, mas, também, e principalmente, do jurista, do magistrado, do advogado, enfim de todos os operadores do direito. O que o legislador faz é criar a lei, porém o direito é muito maior do que a lei. Sobre esta assertiva, leciona o jurista Mário Moacir Porto, ao dizer que “a lei não esgota o direito assim como a partitura não esgota a música. A boa ou má execução da música dependerá da virtuosidade do intérprete”. O mesmo acontece no mundo jurídico; não basta
conhecer bem a lei para fazer justa aplicação do direito porque a justiça nem sempre estará na lei. O mau operador do direito – advogado ou juiz – transforma uma lei boa em má, ao passo que o bom operador é capaz de dar boa aplicação até a uma lei ruim.
Nesse sentido, cumpre citar Rosah Russomano quando afirma que: “a norma jurídica tornar-se-á boa ou má, produtiva ou prejudicial, elogiável ou iníqua, não tanto pelo seu conteúdo específico, porém, antes e acima de tudo, pela própria interpretação que o magistrado lhe imprimir”. E, interpretar, há de se ponderar, é criar uma concordância aceitável entre o caso concreto e a justiça. É aqui que se revela o talento criativo dos grandes e verdadeiros juristas. São aqueles que, tendo sensibilidade para perceberem os anseios da justiça, empenham-se em ajustar o Direito a essas exigências buscando realizá-la. Não mais prevalece, nos dias atuais, por conseguinte, a exegese segundo a qual os juízes deviam seguir a letra da lei porque esta representava a vontade do povo.
O problema, pois, da decisão injusta não é do legislador, mas sim dos operadores do direito. Mesmo quando o legislador for eficiente na elaboração da lei a sentença pode ser injusta pela falta de sensibilidade social do julgador;
*Irapuan Diniz Aguiar,
advogado e professor.