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“Um mundo em conflito”

Igor Lucena preside o Conselho Regional de Economia. Foto: Divulgação

Com o título “Um mundo em conflito”, eis artigo de Igor Macedo de Lucena, Ph.D., presidente do Conselho Regional de Economia, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa. É membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs. Confira:

A grande maioria das nações em desenvolvimento tem em seus textos constitucionais, ou mesmo em sua visão como nação, a ideia de que todos os movimentos nacionais, elaboração de leis, mudanças econômicas e sociais devem ter o objetivo de procurar uma união mais próxima, mais perfeita. Isso fica muito claro no primeiro parágrafo da Constituição americana de 1787. “We the People of the United States, in Order to form a more perfect Union, establish Justice, insure domestic Tranquility, provide for the common defense, promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty to ourselves and our Posterity, do ordain and establish this Constitution for the United States of America.” O mesmo também ocorre quando observamos os tratados que formam hoje a União Europeia onde citam diretamente para “continue the process of creating an ever closer union among the peoples of Europe, in which decisions are taken as closely as possible to the citizen in accordance with the principle of Subsidiarity.”

A base destes textos tem intrinsicamente as metas de paz social, convergência econômica, respeito entre diferentes culturas e outros aspectos que podem parecer simples, mas muitas vezes não são. Em períodos de paz esses objetivos são muito mais fáceis de serem alcançados, entretanto quando encontramos um mundo com altas taxas de inflação, onde as autoridades monetárias são obrigadas a tomar medidas contracionistas para combater essa inflação, e por isso acabam impactando negativamente o emprego, a renda e os investimentos, onde o fluxo de capitais, pessoas, bens e serviços estão cada vez mais livres, tornando essa união bastante difícil de ser obtida.

Em 24 de fevereiro de 2022, o início da invasão da Rússia na Ucrânia foi de fato um dos principais fatores de desestabilização geopolítica no século XXI. Para a Aliança Atlântica, a OTAN e a União Europeia, isso significou uma união mais forte das democracias ocidentais contra nações autoritárias como a China, a Coreia do Norte e a Rússia. Entretanto, quando olhamos as nações mais fracas, muitas vezes democracias com falhas, que têm na atual Ordem Internacional e nas instituições multilaterais uma maneira de se protegerem de seus inimigos e invasores, essas de fato estão cada vez mais em riscos.

Após a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, um dos seus maiores apoiadores, a China passa a avançar com políticas internas com a finalidade de alcançar seu objetivo de reunificação com a ilha de Taiwan até 2030. Para isso, avança com mais incursões de navios de guerra na Ásia e jatos no estreito de Taiwan. Enquanto isso, na África assistimos a golpes de Estado no Níger, no Gabão e em Burkina Faso. O Hamas ataca Israel e se abre um novo conflito no Oriente Médio. Ao mesmo tempo a França passa a ter uma presença militar e econômica cada vez menor no continente africano, tornando real a possibilidade de que novos golpes de Estado se tornem algo mais corriqueiro no continente, que sofre os impactos do aumento do preço de alimentos e de fontes de energia, tornando a situação do continente ainda mais complexa.

Enquanto isso, no Leste Europeu o Azerbaijão aproveitou o momento de confusão entre ocidente e oriente, principalmente em um momento onde a Rússia e os Europeus não teriam capacidade para avançar militarmente, para intervir na região de Nagorno-Karabakh, incorporando totalmente ao território nacional e expulsando dezenas de milhares de armênios que viviam naquela região. Na próxima semana a Venezuela irá realizar um plebiscito com o objetivo de legitimar uma futura invasão da Guiana, trazendo para a América Latina seu primeiro conflito geopolítico no século XXI.

Nesse ínterim, isso os Estados Unidos manifestaram preocupações e apelaram à redução das tensões, uma vez que a Sérvia havia enviado uma presença militar significativa perto da fronteira com o Kosovo. Tal medida surge na sequência de confrontos em um mosteiro no norte do Kosovo, que resultaram na morte de um agente da polícia do Kosovo e de três homens sérvios, marcando uma das escaladas mais graves na região nos últimos anos.

Neste sentido, o que estamos assistindo é que grupos militares ou nações com tentações expansionistas enxergaram na guerra da Ucrânia, bem como a desestabilização econômica em diversas frentes, uma oportunidade para avançar com planos que outrora seriam inviáveis dentro de condições normais de defesa militar de territórios fracos ou com fortes aliados.

Em um mundo cada vez mais multipolar, onde os interesses estão difusos, onde órgãos internacionais como o Conselho de Segurança da ONU se mostram fracos, e onde países importantes no tabuleiro geopolítico como o Brasil e a Índia relativizam direitos fundamentais como liberdade de expressão, direitos políticos e integridade territorial por causa de ideologias políticas, fazem com quem o mundo se torne muito mais perigoso e mais difícil de se conviver.

Os Estados Unidos estão hoje dispostos a avançar em discussões concretas em mudanças nos órgãos internacionais como retirar o poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança, ampliar a sua participação permanente para nações como o Japão e a Alemanha, e avançar em um arcabouço internacional que inclua os países emergentes de maneira mais forte nas grandes mesas internacionais do FMI, do Banco Mundial e da OMC. Esse é de fato um caminho, mas que não resolve todos os problemas e não mascara a atual situação do mundo: a de que estamos de fato no início de uma Nova Guerra Fria.

*Igor Macedo de Lucena

Ph.D., presidente do Conselho Regional de Economia, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa. É membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs

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