“Divergência entre juristas” – Por Djalma Pinto

Djalma Pinto é advogado e especialista em Direito Eleitoral. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “Divergência entre juristas”, eis artgio de Djalma Pinto, advogado, mestre em Ciência Política e autor de diversos livros, entre os quais “Ética na Política”, “Distorções do Poder”, “Educação para a Cidadania” e “Cidade da Juventude”. Eis uma bela e intressante parábola.

Confira:

Um jurista brasileiro formulou duras críticas ao sistema judiciário dos países islâmicos, que adotam a mutilação de órgãos como punição àqueles que cometem furto. Argumentou que essa punição é incompatível com a dignidade da pessoa humana, valor inegociável que traduz o grande avanço da civilização desde o século XX.

O jurista islâmico ponderou que, realmente, alguns países que seguem o Alcorão são implacáveis com aqueles que furtam, em decorrência dos danos sociais que provocam. Leu esta passagem do seu livro sagrado: “Cortai as mãos do ladrão e da ladra para que isso seja tanto uma recompensa por seus atos quanto uma lição dissuasiva dada (a todos) por Deus.” Explicou, porém, que são raros os casos de aplicação dessa punição porque a certeza de que poderá ter mãos ou dedos cortados retira do ladrão a coragem de assaltar. Destacou que, no Brasil, a sua legislação prevê prisão para os casos de furto, mas como não há certeza da aplicação da lei, o estímulo à prática desse crime se perpetua em todas as camadas sociais, abrangendo pessoas com e sem escolaridade, políticos e profissionais liberais.

O brasileiro reconheceu que não precisa cortar a mão nem o dedo do ladrão. Admitiu, todavia, que o volume crescente de assaltos estava a exigir uma providência mais efetiva para reduzir a compulsão pela prática desse ilícito. Perguntou, então, ao jurista islâmico: qual seria a sua sugestão para diminuir a quantidade desse crime contra o patrimônio público e privado? Fez questão de deixar bem claro que o seu país repudia a sanção de cortar a mão ou o dedo de assaltantes.

O jurisconsulto islâmico não se conteve. Imaginou a sua legislação sendo aplicada no Brasil. Não conseguiu conter o riso, ao imaginar a quantidade de políticos circulando em Brasília sem uma das mãos. Se recompôs e falou: – vocês falham desde a formação das crianças. A família, a escola e as universidade ninguém se preocupa com a propagação da honestidade. Todos devem incutir, desde cedo, o hábito de não se apropriar da coisa alheia. Trabalhar a importância da integridade desde o ensino fundamental e em todos os estabelecimentos escolares.

Foi ainda mais questionador o mulçumano: – como explicar o fato de uma pessoa frequentar a igreja, estudar nos melhores colégios e faculdades e, ainda assim, desviar dinheiro da educação, da saúde e até dos aposentados? O ladrão, além de não perder a mão, ainda mata sua vítima para roubar. A família suporta toda a dor, paga impostos para manter o criminoso na prisão, de onde ele manda ordens para novos assassinatos.

O jurista brasileiro assustou-se com aquela ponderação. Incomodou-se com a constatação de haver explodido o número de faculdades, de escolas com ensino obrigatório para todos e, a despeito disso, ninguém poder andar na rua sem risco de ser assaltado. Respirou fundo. Espantou-se mais ainda. Não teve coragem de comentar com o seu interlocutor a desoladora constatação que lhe viera à cabeça. Chocou-se ao constatar que a compulsão, que move as pessoas iletradas para assaltar o celular dos outros, em qualquer lugar, é a mesma que impulsiona muitas autoridades a se
apropriarem indevidamente do dinheiro público. Dinheiro que, na verdade, pertence ao cidadão, que perde a sua titularidade quando o transfere ao Estado para pagamento de tributos.

Diante do demorado silêncio, o árabe tentou minimizar o desconforto do colega. Disse, então, para a finalização do diálogo: – seu país é uma terra acolhedora, de riquezas intermináveis, sem catástrofes, sem problemas étnicos, com todos os requisitos para ser a grande potência do século XXI. Basta apenas estimular as escolas, do ensino fundamental ao superior e as famílias, de onde sairão os futuros políticos, para trabalharem na propagação do hábito da honestidade e da solidariedade, que se resume em cada um se colocar no lugar do outro para sentir a sua dor. Seu povo, é certo, não precisará cortar a mão de ninguém para ter uma invejável prosperidade.

*Djalma Pinto

Advogado, Mestre em Ciência Política e autor de diversos livros, entre os quais “Ética na Política”, “Distorções do Poder”, “Educação para a Cidadania” e “Cidade da Juventude”.

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Uma resposta

  1. Sempre artigos brilhantes.

    Parabéns!

    Explicou, porém, que são raros os casos de aplicação dessa punição porque a certeza de que poderá ter mãos ou dedos cortados retira do ladrão a coragem de assaltar.

    Uma vez num debate na UECE alguém defendeu a frase “OLHO POR OLHO E O MUNDO ACABARÁ CEGO”.
    Pedi a palavra e achei que não aconteceria pois logo todos temeriam a perda da visão.

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