Com o título “O devoto”, eis uma crõnica de Francisco J. Camnnha, escritore ex-deputado estadual. Confira;
Ele na idade “sex”, um sexagenário, divorciado, garboso, devoto mariano e de missa diária. Adepto fervoroso do catolicismo popular, vive no mundo das crendices religiosas do castigo, da culpa, do medo e do pecado. A namorada uma mulher na casa dos 40 anos, recém separada, praticante da religião de tradição africana, filha de iansã, fato que ele desconhecia os detalhes.
A relação entre os dois fluía forte ao sabor das volúpias carnais mais extravagantes que o sexo pode oferecer, mas como paixão é fogo de palha, logo se consumiu. Até que ele caçou e encontrou uma nova parar realimentar sua energia sexual em declínio. Para cavalo velho o remédio é capim novo. Com vergonha de romper o namoro, passou, então, a “binar” a antiga, sumiu e já não lhe atendia as chamadas e as mensagens no celular. Foi quando ela me ligou indagando indignada o paradeiro dele. Como os homens nutrem a lealdade e cumplicidade entre si, fiz a ressalva que ele poderia ter perdido o celular. Ela raivosa encerrou a ligação assim: – ele vai me pagar.
Parece que quanto se ama, mais se pode odiar. É dito que ódio e amor paixão caminham juntos.
A narrativa a seguir parece estória inventada, mas afianço que é verdade o acontecido. Só não é prudente revelar os nomes. Nosso caso, começa quando alguém foi no Centro Espírita cobrar a dívida de serviço de engenharia de um renomado Pai de Santo de nossa cidade. O credor ao chegar aguardou o fim do atendimento de uma cliente, mas quando a moça saiu da consulta reconheceu a jovem como sendo a namorada do meu amigo devoto católico. O Babalorixá quitara a dívida com o cheque da mulher que acabara de sair. Dias depois, o cheque retornou duas vezes sem provisão de fundos. O credor ao receber o cheque do banco procurou o devoto:
– Amigo, eu fui no Terreiro cobrar uma dívida e vi aquela sua namorada saindo da consulta. O Pai de Xangô pagou a dívida com o cheque dela que retornou sem fundos. Na saída, ele me viu e virou o rosto.
Meu amigo supersticioso arrepiou de medo e, preocupado com a situação, adquiriu o cheque pelo valor de face e foi pessoalmente ao bruxo. Ao ser recebido, quis logo saber o que sua ex-namorada fora fazer lá.
– Ela encomendou um trabalho, mas é sigiloso.
– Acontece que ela te pagou com um cheque sem fundos e eu comprei o cheque e quitei sua dívida.
O Pai Xangô, pediu um momento, foi num altar dedicado a Lúcifer e retirou uma fotografia.
– É você?
Ele arrepiou de medo.
– Sim. O Senhor já terminou o trabalho?
– Ainda não está concluído.
– Pelo amor de Deus, eu paguei sua dívida e desfaça o que começou.
Saiu do Centro Espírita em direção ao trabalho atordoado da angústia paralisante que o medo causa. Ao saltar do carro foi subitamente atropelado no cruzamento da encruzilhada da Avenida Thompson Bulcão com a Rogaciano Leite. Sofreu escoriações e uma fratura de braço.
Apavorado no dia seguinte foi a Igreja de Santa Edwirges rezar a novena de cura e libertação. Fez promessa de toda quinta-feira não mais faltar o rosário das mil Ave Marias para se livrar das ciladas do demônio.
E agora você me pergunta:
Macumba pega?
– Só pega se você acreditar.
A religião muitas vezes serve para promover medo, culpa, dominação, dependência e a opressão mental.
*Francisco Caminha,
Ex-deputado estadual e cronista.