“Não existe química entre Lula e Trump” – Por Eduardo Appio

Eduardo Appio é juiz federal. Foto: Reprodução

“Repito: não existe química possível nesse caso. Trata-se de uma encenação de Trump, cujo objetivo é retardar a aproximação estratégica do Brasil com a China”, aponta o juiz federal Eduardo Appio

Confira:

A última assembleia da ONU em Nova Iorque foi marcada pelo anúncio de um suposto “crush” entre Donald Trump e Lula. Alguns atribuem essa aproximação às leis da química, enquanto outros defendem que o inegável carisma de Lula teria vencido a petulância de Trump.

Ambas as explicações, no entanto, contrariam o bom senso, já que Lula e Trump representam polos opostos em termos políticos e humanos. Lula nasceu em uma família pobre, sobreviveu à fome e ascendeu pela luta. Trump, ao contrário, nasceu em berço de ouro e sempre fez questão de ostentar um luxo brega e decadente.

Lula representa o progresso da civilização humana e liderou lutas humanitárias durante toda a sua carreira política. É o maior líder da esquerda mundial e foi preso em razão disso, vítima de perseguição judicial de caráter político. Trump, por sua vez, jamais foi responsabilizado por boicotar o combate à Covid-19 ou por liderar a invasão do Capitólio após ser derrotado por Joe Biden. Trata-se do maior líder da extrema direita mundial, e ainda assim contou com decisões da Suprema Corte que lhe concederam poderes autoritários.

Enquanto Lula é um pacifista reconhecido internacionalmente como mediador de conflitos, Trump é belicista declarado, sempre disposto a transformar o conflito em método de atuação política, como fazia em seus programas de televisão ao demitir estagiários em rede nacional.

Não há nenhuma química possível entre esses dois personagens históricos. No plano pessoal, existe apenas aversão recíproca, e é certo que Trump não medirá esforços para interferir na eleição presidencial de 2026 no Brasil. O pragmatismo de Trump ao acenar para Lula esbarra no idealismo do presidente brasileiro, defensor fervoroso da soberania nacional e da independência do Supremo Tribunal Federal.

Repito: não existe química possível nesse caso. Trata-se de uma encenação de Trump, cujo objetivo é retardar a aproximação estratégica do Brasil com a China. Mais do que as características pessoais, estão em jogo os interesses econômicos e geopolíticos do nosso país. É importante ressaltar que Trump, mais do que o líder chinês, tem sido o maior responsável pela desconstrução do projeto democrático dos Estados Unidos. O experimento americano, tão celebrado pelos fundadores da República, sucumbiu em pouco menos de dois anos de Trump 2.0.

Não há possibilidade de construção de um projeto democrático que envolva Donald Trump e Lula da Silva. Ainda assim, os interesses comerciais das duas potências podem se sobrepor aos conflitos ideológicos. Mas quais seriam as reais vantagens para o Brasil neste momento? O que há de concreto nesse aceno de Trump, tão celebrado pela imprensa brasileira?

A relação política entre Brasil e Estados Unidos só pode ser resgatada pela diplomacia de ambos os países — algo improvável no cenário atual. O secretário de Estado norte-americano não poupa críticas ao Supremo Tribunal Federal, com ataques frequentes ao ministro Alexandre de Moraes. Outro ministro do STF, Luís Roberto Barroso, fala em “pacificação” do país, como se golpes de Estado e o fascismo fossem opções legítimas da população. Não são e nunca serão. A Constituição Federal de 1988 é republicana, democrática e tem forte apelo social.

Não há química possível entre Democracia e Golpe Militar. Não é aceitável que partidos políticos se abasteçam dos cofres do fundo partidário para financiar o discurso do ódio e a pregação contra a democracia no Brasil. Já passou da hora de o Ministério Público e os partidos democráticos questionarem judicialmente a atuação de parlamentares e legendas que atentam contra a ordem constitucional.

O que falta? Uma nova tentativa de golpe em 2026? O cidadão brasileiro está pagando para sustentar parlamentares que defendem tarifas impostas por Trump e que invadem a mesa da Câmara dos Deputados.

Lula tem razão ao afirmar que a soberania não se negocia. Vou além: a democracia tampouco se negocia. Qualquer pacto espúrio e secreto em nome de uma suposta pacificação do país apenas alimentará os fornos de uma nova “solução final” em 2026. Repito: não existe conciliação possível entre opostos. Assim como não há química entre Lula e Trump, não existe pacificação baseada em anistia costurada nos bastidores, em um país que terá eleições no próximo ano. O ministro Barroso, talvez por ingenuidade, acredita no contrário. O tempo dirá se tem razão.

Eduardo Appio é juiz federal em Curitiba e pós Doutor em Direito Constitucional

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