A produção de café no Crato supria o consumo local e gerava excedente, disputado por compradores de fora, pelo sabor. Mas a cultura foi estancada por falta de estímulos de crédito e assistência técnica do governo, que privilegiou outras regiões serranas do Ceará. A derrocada da cafeicultura foi denunciada nos anos 1970 em três crônicas de Jósio de Alencar Araripe, publicadas no livro “A Palavra sem Medo”, do jornalista e escritor Flamínio Araripe, conforme relata a seguir:
No Crato, o distrito de Santa Fé concentrava a maior produção de café do município no sítio de Júlio Lima Verde, que deu à sua residência o nome Casa do Café, conforme registra o “Almanaque do Cariri” (1949). No terreiro das casas dos cafeicultores, calçados com pedra calcárea, o café secava ao sol, mexido com grande rodo de madeira com cabo de bambu. Adolescente nos anos 1960, vi os grãos amontoados no pátio do sítio Fábrica, dos avós da minha amiga Rejane Limaverde, na Santa Fé. Hoje a cultura foi abandonada na região. Nos anos 1970, o Cariri ficou para trás nesta cultura que em 2024 alcançou alta de 80% na Bolsa de Nova Iorque. Nas serras de Baturité, Ibiapaba e Meruoca, 19 municípios faturaram R$ 8,6 milhões com café em 2024.
No livro “A Palavra sem Medo”, Jósio de Alencar Araripe registra como o Cariri foi excluído dos apoios governamentais à cafeicultura. Na crônica “A cultura do café no Cariri” (21 de agosto de 1973), ele escreve: “Não é novidade a cultura do café no Cariri, tanto na Chapada do Araripe como nos sítios. Desde os tempos de nossos avós, os proprietários mais abastados da época garantiam com a colheita do produto suas necessidades de consumo e ainda vendiam o excedente, disputado na cidade pela sua excelente qualidade”. Informa o cronista: “Cafezais com cinquenta anos ou mais ainda existem, ou existiam até poucos anos no Granjeiro do Cel. Francisco de Brito; na Bebida Nova; no Lameiro, do Cel. Nelson e de José Vilar; na Fábrica, dos Limaverde; nas Almécegas, dos Benício Pinheiro; e até mesmo aqui na beira dos brejos, no sítio do Cel. João Gomes de Matos; no Escondido, do Dr. Raimundo Bezerra, praticamente nos subúrbios do Crato”.
Cariri não tem mais serras úmidas
Três dias depois, nova crônica protesta contra a exclusão do Cariri do programa de incentivo à cultura do café, lançado pelo Banco do Estado do Ceará para os anos 1973-1974, com juros subsidiados e assistência técnica do Instituto Brasileiro do Café (IBC). Governava o estado Adauto Bezerra, caririense de Juazeiro do Norte, mas o programa, que planejava fornecer 13 milhões de mudas de café, considerou somente como áreas úmidas as serras de Baturité, Ibiapaba e Meruoca.
O cronista argumenta que, “antes, era o Cariri considerado uma região úmida, e a gente não tinha o direito a reivindicar obras de proteção contra as secas, com o aproveitamento dos nossos vales, como os Carás, Machado, Bastiões e tantos outros, porque isso aqui era um oásis em meio ao Nordeste assolado pelas calamidades climáticas. Hoje, quando se pretende lançar um tipo de cultura recomendado para as regiões de clima mais privilegiado, esquece-se completamente o Cariri, em favor de outras áreas do Estado de muito menor projeção econômica”.
Fica o seu clamor, agora para a história, no livro que reúne as crônicas de Jósio: “Pergunta-se, então; o que foi feito das lideranças políticas do Cariri? Como consentiram com essa manobra de isolamento, justamente da parte potencialmente mais rica do Estado? O povo deve se manifestar e protestar, através de seus órgãos de classe, clubes de serviço, Prefeitos e Câmaras Municipais da região, todo mundo de mãos dadas, e gritando bem alto, para que lá na capital do Estado ecoe pelo menos nossa insatisfação e o repúdio contra esses que nos esqueceram”, ele conclama.
Oportunidade perdida no governo Geisel
Jósio volta ao tema em 19 de setembro de 1975, quando leu na imprensa que o presidente Geisel “recomendou ao Instituto Brasileiro do Café (IBC) para incentivar o plantio do café nos microclimas favoráveis do Nordeste”. O cronista defende a inclusão do Cariri, pelo clima favorável, altitude de 600 metros imune a pragas comuns na região Sudeste e o benefício econômico com a geração de empregos no campo. “O dinheiro e o auxílio técnico do IBC haverão de modificar esse quadro de decadência e de pobreza desta parte do Estado, que não teve ainda devidamente avaliadas suas imensas potencialidades econômicas. E não será somente na Chapada do Araripe e nos pés de serra do Cariri que o café encontra as condições mais favoráveis para seu cultivo”, ele
afirma.
A exclusão do Cariri causa perplexidade ao cronista. “Porque o dinheiro do IBC não chegou até o Cariri, está a parecer com as artes do demônio, pois melhores condições a região pode oferecer a qualquer outra do Estado. Vale a pena gritar contra essa injustiça”. Cita Jósio que o historiador Irineu Pinheiro relata a tradição do cultivo do café no Cariri “desde o século XVIII, e tal a importância da cultura, que, nos inventários da época, as plantas eram arroladas e tinham seu valor estimado distintamente dos imóveis em que se situavam”. Segundo ele, “cada tarefa de terra poderá produzir até dez sacas de café, nos sítios ao redor da cidade, como no brejo de Cel. João Gomes de Matos”.
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*O livro “A Palavra sem Medo” será lançado em Fortaleza no dia 6 de novembro, às 18h, na Biblioteca Pública Estadual. Contatos com o autor flaminio.a@gmail.com ou 85 99615-1449.