“To be or not to be rich that is the question” – Por Mirelle Costa

O livro “Coisa de Rico” foi publicado pela editora Todavia

“Perguntei a ele sobre a ostentação da diferença, comportamento tão comum entre a classe média brasileira, que almeja mudar de fase no game da sociedade”, aponta a jornalista e escritora Mirelle Costa

Confira:

“Michel Alcoforado adquire propriedade em praia nordestina. O município não foi divulgado, mas descobrimos que o antropólogo do luxo escolheu uma região menos povoada do litoral Leste cearense, onde a escritora Socorro Acioli também está construindo sua casa de veraneio”.

Essa poderia ser uma manchete da Caras, mas é só uma brincadeira de uma jornalista e escritora que nunca assinou a revista, mas confessa que era a primeira que folheava quando chegava em qualquer consultório médico e ganhava um chá de cadeira que não pediu. A leitura era disputada, viu? A vida dos ricos e famosos exerce fascínio desde que o Brasil existe. E falando em fascínio, quando uma jornalista apelidou Alcoforado de antropólogo do luxo, as portas da elite brasileira se abriram sem reservas para que ele observasse (talvez eles pensassem que o objetivo era apenas contemplar) e entendesse como a riqueza em nosso país constituiu-se ao longo do tempo.

O livro que está na boca do povo e talvez, quem sabe, na da elite também (mesmo que pouco leia), chama-se “Coisa de Rico”. Se você está em busca de um manual de riqueza, vai encontrar bem mais que isso. Alcoforado é um cientista social, antropólogo que problematizou e pesquisou, por quinze anos, como se constituiu a elite brasileira. No último dia 7, o escritor esteve em Fortaleza e em boa companhia para o lançamento de sua obra, evento promovido pela livraria Leitura do shopping Iguatemi.

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A escritora Socorro Acioli e o antropólogo Michel Alcoforado

A mediação foi da escritora cearense Socorro Acioli, que se divertiu e demonstrou certa conformidade sobre não conseguir ser reconhecida rica pela impossibilidade de adequação a algumas regras, como por exemplo, confessou que jamais compraria um imóvel que tivesse de estacionar o carro no mesmo piso de seu apartamento, que não conseguiria ir a uma festa promovida por um chef renomado e, simplesmente, não degustar nada e ainda confessou seu hábito peculiar de varar madrugadas em leilões de antiguidade para adquirir peças de decoração de valores irrisórios. O cientista explica:

“A elite brasileira geralmente muda a decoração da casa a cada cinco anos. Já olhamos o que ainda poderia ser considerado novo como velho. Na França, por exemplo, a família que tem um castelo não vai desfazer-se dele com tanta facilidade, mas em nosso país trocamos de gosto como quem troca de roupa. O conceito do que é chique muda a toda hora, por isso a gente mistura coisa vista como velha com coisa nova. Já com relação a não se deleitar aos prazeres da mesa, a questão é que os ricos gostam de pensar que têm o controle de tudo e o peso é um deles. Por fim, quem compra um apartamento em Fortaleza onde se é possível estacionar o carro ao lado da sala de casa quer ter uma diferenciação perante a sociedade. A gente se vale das coisas enquanto elas valem pra gente. Se, por exemplo, um dia, esse tipo de imóvel tornar-se comum, os ricos vão migrar para um outro estilo de moradia, sempre procurando essa diferenciação. Somos apaixonados por distância”, explica Alcoforado.

O antropólogo mais pop do momento ainda não se reconhece como escritor. “Eu sou um antropólogo que escreve, não me acho escritor. Eu acho que para escrever um livro você precisa de um pouco de obsessão. Foi a coisa mais difícil que eu já fiz na vida. Consumi muito jornalismo literário, tive de aprender muita coisa. O mais querido elogio que me fazem é quando uma pessoa começa e termina de ler meu livro. Eu era uma criança negra. Os livros me salvaram. Eu não discuti raça no livro porque o assunto iria engolir o livro. Achamos que só os ricos são racistas, mas não é verdade. Eles são tão racistas quanto qualquer pessoa de qualquer raça brasileira”, explica Michel Alcoforado, que contou ter mergulhado nas obras de Nelson Rodrigues e Drauzio Varela.

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Eu, Mirelle Costa, rindo igual rico, e o cientista Michel Alcoforado

Em uma exclusiva de poucos minutos, pois atazanar quem está prestes a subir em um palco é coisa de pobre, eu perguntei a ele sobre a ostentação da diferença, comportamento tão comum entre a classe média brasileira, que almeja mudar de fase no game da sociedade. “Para você ser considerado rico, precisa ter bens e dinheiro. O conceito de ‘pobre besta’ faz todo sentido se a gente pensa no processo de diferenciação da sociedade brasileira, então, o metido a besta ou pobre premium, é aquele que tem as coisas, mas não tem o dinheiro. Mora na Aldeota, mesmo sendo em um estúdio apertado, vai pra Miami passar as férias, mas, na prática, não tem o que comer direito, tem um carrão, mas está endividado, se perder o emprego, fica bem apertado financeiramente, ou seja, ele quer parecer o que não consegue ser”, explica Michel Alcoforado e eu logo lembrei de uma frase que diz que “Perto dos Bons nos tornamos melhores”, então, talvez, o brasileiro classe média apreenda esse ditado como um bom argumento social para justificar que o parecer sem ser pode ser um degrau importante para chegarmos ao topo.

“Em São Paulo, por exemplo, a Europa, os Estados Unidos, o “pra fora” ainda é muito importante na formação dos gostos. Eu vejo a elite nordestina autocentrada, transita, obviamente, fora do país, tem casa em Miami, mas ela constrói a diferença olhando mais pra dentro e nem tanto olhando pra fora, obviamente falo isso levando em consideração a pluralidade do Nordeste. Percebi que os ricos nordestinos pensam mais nas diferenças, possuem um apego maior a isso. De forma geral, os ricos brasileiros preocupam-se com as diferenças, só que a elite de São Paulo, por exemplo, se preocupa mais em fingir que elas são iguais e aqui, os ricos nordestinos são mais confortáveis com as distâncias e as diferenças sociais”, explica o cientista.

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Eu, Mirelle Costa, tietando o escritor Michel Alcoforado

Alcoforado usa muito o verbo catapultar ao falar o quanto a riqueza dos outros nos enche os olhos e nos enebria. Porém, a obra “Coisa de Rico” permitiu que a escrita e a oratória (pra quem tem o privilégio de ouvi-lo falar, aliás, recomendo) de Alcoforado nos catapultassem, verdadeiramente, para uma reflexão mais racional e menos apaixonada dessa tão “apaixonante” (para alguns) classe que já riu tanto da gente e que hoje se vê exposta, nua; mesmo não se reconhecendo naquelas páginas, nos dá, pela primeira vez, a possibilidade (já que o autor nem precisou pedir permissão) de rirmos, ou melhor, mangarmos dela um pouco também:

– Ieeeeei!!!!

NOTA:

E só para concluir a fofoca, não sabemos ao certo se Michel Alcoforado rendeu-se à riqueza e tudo o que de bom ela pode proporcionar. Além do terreno adquirido em terras cearenses, o antropólogo do luxo confessou que, atualmente, possui dificuldades em sorver espumantes aos quais estava acostumando antes de suas pesquisas, já que, nesse período, teve de provar bebidas mais caras e, (in)felizmente, mais gostosas. O icônico sapato de sola vermelha, Alcoforado admitiu que não é confortável de usar, não se sabe ao certo se tentou adquiri-lo e desistiu ou se a experiência seria importante para a sua pesquisa, por isso foi lá e calçou. Fato é que a curiosidade pela riqueza é uma coisa que até Deus duvida. O escritor Michel Alcoforado já superou, em vendas, o livro “Café com Deus Pai”, o mais vendido do Brasil em 2024. Que Deus perdoe essa heresia.

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Uma resposta

  1. Essa crônica é uma delícia de ironia fina. rsrsrsrsrs Uma mistura de Caras com Casa dos Espíritos, só que sem os espíritos, porque os ricos aqui são bem de carne, osso e ego inflado. Rsrsrsrsrs.
    Mirelle Costa conseguiu transformar o comportamento da elite brasileira num verdadeiro reality show antropológico (taças de espumante, sapatos de sola vermelha e um figurino de vaidades). Ela nos catapulta (pra usar o verbo favorito do antropólogo) para uma constatação irresistível: o rico premium que mora na Aldeota já se considera meio caminho andado pra entrar na Forbes. rsrsrsrsrs

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