“Política como jogo e aposta” – Por Valdélio Muniz

Valdélio Muniz é jornalista. Foto: Divulgação

“Assim como acontece na seara econômico-empresarial, o sucesso de uma empreitada vai além de sua organização interna. Está sujeito a externalidades”, aponta o jornalista Valdélio Muniz

Confira:

Os acontecimentos partidários cearenses mais recentes rumo à campanha eleitoral de 2026 evidenciam, claramente, a visão que se tem da política como jogo e aposta. Primeiramente, convém distinguir esses dois termos costumeiramente utilizados quase que como sinônimos, embora, juridicamente, no campo dos contratos (Direito Civil), tenham significados distintos, ainda que possuam, também, elementos que lhes são comuns.

Tanto no jogo quanto na aposta, firma-se um contrato aleatório baseado na conjunção (somatório) de sorte ou azar e desempenho. Ocorre que, na aposta, a sorte (ou o azar) depende do desempenho de terceiro (que não integra o próprio contrato). Já no jogo, aí sim, terá peso essencial o desempenho de cada um dos contratantes.

Há, portanto, em todo cenário eleitoral, a confluência entre jogadores (candidatos) e apostadores (apoiadores e financiadores). E isso vale, óbvio, para todos os times. Ah, não nos esqueçamos, é claro, daqueles que, a rigor, nem jogam para valer nem recebem em seu favor qualquer aposta significativa. Entram na disputa sabendo que não passarão de figurantes, sob o singelo pretexto de que têm espírito esportivo: mais importante que vencer ou perder é competir. Assim, escondem outras motivações (interesses) por vezes até mesmo impublicáveis.

Mas, até aqui, algum problema quanto aos verdadeiros jogadores e apostadores? Não necessariamente. Faz parte da dinâmica político-esportiva.

O que não se pode perder de vista, porém, diz respeito ao preparo para a competição, às condições em que se desenvolverá o jogo e à escalação dos árbitros, sim, aqueles que têm o dever de ficar atento a todos os lances e podem atrapalhar até mesmo os planos (estratégias) mais mirabolantes de qualquer time. Assim como acontece na seara econômico-empresarial, o sucesso de uma empreitada vai além de sua organização interna. Está sujeito a externalidades.

Pode parecer ingênuo acreditar nisso, mas a expansão das redes sociais, os erros sucessivos (e arrependimentos) já cometidos por eleitores em épocas passadas, os retrocessos já experimentados ao longo de décadas e as consequências nefastas da falta de memória ou de escolhas irracionais (movidas apenas por ódios ou descontentamentos pessoais) podem servir como base para a formação de um eleitorado minimamente mais crítico a certas aventuras. Aquela ideia de candidato como produto bem embalado e de fácil adesão massiva pode frustrar muita gente que ainda mantém olhar enviesado.

Alianças excessivamente artificiais (nutridas, sobretudo por rancores, ressentimentos comuns e desejo/obsessão de poder a qualquer preço), discursos claramente contraditórios (incoerentes com a própria história de candidatos e de seus apoiadores ou, pior, coerentes com trajetórias convenientemente camaleônicas) podem transparecer uma perigosa subestimação do eleitorado. Sim, ele mesmo, aquele árbitro que, ao final, há de ser decisivo para o resultado do jogo e de todas as apostas. E que pode transformar uma pretensa emersão em completo afundamento.

Valdélio Muniz é jornalista, analista judiciário, Mestre em Direito Privado, membro do Grupe (UFC) e professor de Direito na Fadat

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