“Livro não é lixo” – Por Paulo Rogério

Paulo Rogério é jornalista.

Com o título “Livro não é lixo”, eis artigo de Paulo Rogério, jornalista. “Tenho uma atitude meio radical com relação a livros. Nada contra quem possui uma imensa biblioteca em casa. Mas quando acabo de ler uma publicação, passo logo adiante, assim outros podem desfrutar do mesmo aprendizado que tive. Nada de obras arrumadinhas em estantes chiques de madeira. Se eu já li, que outro tenha a mesma chance. Os livros ficam, nós não”, expõe o articulista.

Confira:

Entre as muitas coisas desagradáveis de ver, nada me choca mais que encontrar um livro jogado no meio da rua, largado no lixo. É como se uma parte da história da humanidade se tornasse inútil, renegada ao esquecimento.

Quantas milhares de histórias foram queimadas na inquisição? Quantas outras tiveram o mesmo fim durante a ignorância do período do regime militar aqui no Brasil? Aliás, destruir livros e a cultura em geral é a primeira lição que muitos líderes, políticos e religiosos, colocam
em prática. Um povo que não pensa é mais fácil de ser dominado.

Pois bem. Domingo, em meio às minhas caminhadas cotidianas pelas ruas de Fortaleza, encontrei um livro jogado próximo a um poste, em plena avenida 13 de maio, quase em frente a Reitoria da UFC. Era uma publicação robusta, daquelas que mete medo em qualquer estudante. Talvez umas quatrocentas a quinhentas páginas. Diminui um os passos. Estava sem capa, mas me parecia ainda inteiro. Dava para ler.

Pego, não pego, pego, não pego. Não peguei. O coração doeu profundamente, mas estava indo para o estádio e acompanhar um jogo com aquele livro imenso a tiracolo não ia dar certo. Dei as costas, engoli a curiosidade e fui embora sem olhar para trás.

Quem teria sido o sujeito que jogou o livro no lixo? Por que não deu para alguém? Não doou a uma biblioteca? Uma escola? Há tantos locais mais honrosos do que aquela sarjeta suja, ao lado de um saco de supermercado, uma caixa de sapato rasgada e embalagens amassadas de
cigarro.

Tenho uma atitude meio radical com relação a livros. Nada contra quem possui uma imensa biblioteca em casa. Mas quando acabo de ler uma publicação, passo logo adiante, assim outros podem desfrutar do mesmo aprendizado que tive. Nada de obras arrumadinhas em estantes chiques de madeira. Se eu já li, que outro tenha a mesma chance. Os livros ficam, nós não.

O pensamento foi embora assim que o jogo começou. Ainda estava claro quando tomei o caminho de volta. Logo cheguei na mesma rua onde jazia o tal livro misterioso. Lembrei do primeiro encontro e, de longe, o enxerguei. Ainda estava largado na mesma posição que havia
visto. Invisível como muitas dessas pessoas que dormem nas ruas das grandes cidades.

Tentei ignorar sua presença e passei direto. Vinte metros adiante não aguentei. Parei, dei meia volta e fui buscar o novo bebê. Com cuidado, acocorei, tirei-o daquela situação humilhante, bati o pó e saí com o livro não mãos. Coitado, estava embolorado, cheio de manchas. Tinhas
exatas 1002 páginas. A capa estava rasgada ao meio. Na metade preservada dava para ver o nome do autor: Ken Follett, escritor britânico, autor de vários romances.

Pronto. O que era lixo, acabou de renascer. Saiu do fim certeiro em algum aterro sanitário para ganhar nova vida. Tem uma história latente em suas páginas que ainda pode encantar a quem se aventurar em ter sua companhia. No caso, agora, eu. O título da publicação é bem reflexivo tanto para o momento que vivemos no mundo moderno, como para narrar o perrengue que a própria obra passou para continuar viva. Afinal, um livro é para sempre: “etrenidade por um fio”.

*Paulo Rogério

Jornalista.

paulorogerio42@gmail.com

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