“Datacenter de R$ 200 bilhões do TikTok deve ser celebrado por todos os cearenses e brasileiros – e não atacado” – Por Marcelo Uchôa

Marcelo Uchôa, advogado e professor universitário, além de mestre em Direito. Foto: Arquivo

“O datacenter do TikTok pode ser o primeiro de uma série de outros empreendimentos com potencial de transformar o Ceará em um Vale do Silício brasileiro”, aponta o advogado e escritor Marcelo Uchôa

Confira:

O Ceará está próximo de experimentar uma revolução tecnológica. Está, vírgula, mas pode não estar. O anúncio de instalação do datacenter do TikTok, a maior central de processamento de dados do Brasil, na região do Pecém, no início do mês (03/12), pelo presidente Lula, pelo governador Elmano de Freitas e pelos representantes da gigante tecnológica chinesa, bem como pelas desenvolvedoras parceiras, Omnia e Casa dos Ventos (empresa cearense que é uma das principais fornecedoras de energia renovável do Brasil), deveria ser recebido com grande júbilo por todos no Estado.

Afinal, trata-se de um empreendimento que projeta investir R$ 200 bilhões (duzentos bilhões de reais) até 2035, com geração de milhares de empregos, tanto no processo de construção (na ordem de 4 mil) como na fase de operacionalização, empregos com alto grau de qualificação, além de investimentos em infraestrutura para os municípios de São Gonçalo do Amarante e Caucaia.

O datacenter que, se levantado, se situará no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, na Zona de Processamento de Exportação do Ceará (ZPE Ceará), joint venture do Governo do Estado com o Porto de Roterdã, que, em pouco mais de 10 anos de operação, já movimentou mais de 100 milhões de toneladas de cargas, aloca multinacionais do porte da White Martins (campeã na produção de gases), a ArcelorMittal, incorporadora da Companhia Siderúrgica do Pecém (a maior do país em volume de produção de aço), a Cimento Apodi e a Aeros Energy. No Pecém, empresas já desenvolvem plantas de hidrogênio verde (H2V).

Ou seja, um equipamento monumental a ser inaugurado em uma Free Trade Zone, pioneira nacionalmente, que ocupa 6.182 hectares e já acomoda vários empreendimentos de envergadura, com Área de Despacho Aduaneiro (ADA), a 6 km do Porto do Pecém, 60 km de Fortaleza e 56 km do Aeroporto Internacional do estado e que, indiscutivelmente, alavancará o desenvolvimento econômico do Ceará e, até mesmo, do Brasil. Juntando a isso, a aproximação com o maior hub de cabos submarinos de internet do país (16), que ligam o Brasil, a partir de Fortaleza (segunda cidade mais conectada do mundo e com menor latência, isto é, tempo de resposta de sinal de internet), à América Central, América do Norte, Europa e África.

Para se ter uma ideia da envergadura do projeto, a siderúrgica cearense recebeu cerca de 5,5 bilhões de dólares de investimentos. O datacenter do TikTok promete investir quase 38 bilhões de dólares, pelo menos, sete vezes mais, algo que o Ceará nunca viu. Otimistas falam até 15 vezes mais na concretização.

Mas o que parecia acontecer em céu de brigadeiro está paulatinamente se tornando em tempo fechado. A SEMACE (Secretaria do Meio Ambiente do Ceará) aprovou o início das obras mediante apresentação de Relatório Ambiental Simplificado (RAS), justificando que a burocracia ambiental adjacente à implantação de empresas na área industrial do Complexo Portuário do Pecém já foi solucionada durante o estabelecimento do complexo industrial, exatamente para facilitar a captação de futuras empresas. Já fora previamente submetida a Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) quando de sua criação.

Não obstante, o Ministério Público Federal (MPF) passou a questionar a medida do órgão ambiental, ancorado no argumento de que a obra precisa ser mais criteriosamente periciada, considerando potenciais danos de desmatamento e terraplanagem, o que, em havendo, justificaria pedido de suspensão da licença e construção.

Outra alegação é sobre o consumo hídrico. O MPF questiona o volume de água utilizado para o funcionamento do equipamento. Segundo indica em laudo, o datacenter terá potência de 300 MW e consumo de 88 m³ (88 mil litros) de água por dia, o suficiente para atender 570 pessoas diariamente; o governo, por sua vez, contesta alegando que o datacenter é mantido com sistema de refrigeração interna, retroalimentado, e que a água é para atendimento dos milhares de funcionários do local. E que tampouco isso seria problema, já que o Ceará estabilizou seus problemas hídricos, após anos de investimentos em açudes, cinturões de água, hoje abastecidos pela transposição do Rio São Francisco.

Por fim, indígenas Anacés protestam contra a instalação no local, alegando direitos originários ao território; o governo e as empresas rebatem, explicando que o equipamento será levantado a 9,5 km da terra indígena, dispensando estudo de impacto de vizinhança. Negam não terem realizado oitivas com a comunidade indígena. Em resumo, afirmam, com veemência, que o investimento não compromete o meio ambiente, tampouco agride a comunidade originária.

O fato concreto é o seguinte: brasileiras e brasileiros de todos os cantos do país clamam por investimentos que tragam empregos e desenvolvimento econômico para suas regiões. O datacenter do TikTok pode ser o primeiro de uma série de outros empreendimentos com potencial de transformar o Ceará em um Vale do Silício brasileiro. O ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), centro de excelência de ensino e pesquisa em engenharia do Brasil, já está, desde janeiro de 2024, com obras em andamento em Fortaleza, em sua primeira unidade longe de São José dos Campos, desde a fundação em 1950.

Isto é, o Ceará, ao longo de décadas, tem se preparado, independentemente dos governos que passaram após a ditadura, para dar um salto tecnológico: planejamento hídrico, portuário, siderúrgico, ZPE, científico… e agora que a oportunidade chega, o que todos querem é que este salto não seja inviabilizado por questões que não se justifiquem com a seriedade e a importância requeridas ao tema.

É sempre bom lembrar que obras no Nordeste são constantemente contestadas. Não fosse a resiliência do presidente Lula, que precisou vencer até um bispo que fez greve de fome na foz do Rio São Francisco, não teria havido transposição. Hoje, a obra é motivo de orgulho e alegria.

Preocupante é se o problema for mais sério e disser respeito à entrada de uma multinacional chinesa no país. Aí a discussão pode passar a outro nível, ao nível da aposta permanente no subdesenvolvimento do Brasil.

Marcelo Uchôa é advogado, escritor, Doutor em Direito Constitucional e membro do Conselho Editorial do Brasil 247

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