“O Presépio sem ostentação” – Por Vanilo de Carvalho

Vanilo de Carvalho é advogado

“Se o nascimento de Cristo ocorre no ocultamento, na pobreza e no despojamento, é legítimo questionar se as práticas atuais não se afastam desse núcleo teológico ao privilegiar a ostentação, o consumo e a espetacularização do sagrado”, aponta o advogado Vanilo de Carvalho

Confira:

A cena do Presépio, enquanto narrativa teológica e símbolo fundante do cristianismo, interpela-nos quanto à distância ou proximidade entre a fé professada e a prática concreta dos valores evangélicos da simplicidade, da tolerância e do acolhimento. Não se trata apenas de uma representação devocional do Natal, mas de um locus teológico privilegiado para a reflexão sobre o mistério da Encarnação.

O nascimento de Jesus ocorre em condições de extrema precariedade: no frio de uma madrugada, em um espaço destinado aos animais, desprovido das condições mínimas para o acolhimento de um recém-nascido. José e Maria apresentam-se como sujeitos em deslocamento, sem estabilidade social ou territorial, o que insere a narrativa do nascimento no horizonte da migração forçada e da pobreza estrutural. O primeiro acolhimento não provém das instâncias religiosas ou políticas, mas de pastores — figuras socialmente marginalizadas, consideradas impuras e à margem das normas cultuais do seu tempo.

Esse dado não é acidental, mas profundamente teológico. O Menino Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nasce judeu e situado historicamente na Palestina, assumindo uma condição marcada pela exclusão, pela rejeição e pela vulnerabilidade. A Encarnação manifesta-se, assim, como um movimento radical de kenosis (cf. Fl 2,6-8), no qual Deus não apenas se faz humano, mas se identifica com os últimos, os invisibilizados e os socialmente desqualificados.

Maria, por sua vez, apresenta-se como uma mulher pobre, exposta ao risco da rejeição social, cuja experiência ecoa a de tantas mulheres vulnerabilizadas ao longo da história. Sua figura rompe com idealizações descontextualizadas e reafirma a centralidade do corpo, da história e da condição feminina no projeto salvífico. José, em sua postura silenciosa e obediente, oferece um testemunho de justiça, humildade e responsabilidade ética diante do mistério que lhe é confiado.

A presença dos animais na cena do nascimento, frequentemente relegada ao plano meramente simbólico ou afetivo, também carrega densidade teológica. Eles representam o ambiente da criação que participa, ainda que de modo silencioso, do evento da salvação, oferecendo calor e abrigo à fragilidade do Deus encarnado. A Encarnação, portanto, não se restringe ao humano, mas aponta para uma reconciliação cósmica.

Diante desse quadro, impõe-se uma reflexão crítica sobre as formas contemporâneas de celebração do Natal. Se o nascimento de Cristo ocorre no ocultamento, na pobreza e no despojamento, é legítimo questionar se as práticas atuais não se afastam desse núcleo teológico ao privilegiar a ostentação, o consumo e a espetacularização do sagrado. O Presépio, enquanto memória subversiva do cristianismo, confronta a Igreja e a sociedade com a pergunta fundamental: qual Deus celebramos e qual Natal, de fato, estamos dispostos a viver?

Vanilo de Carvalho é advogado

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