“José Martiniano de Alencar, preso por cerca de um ano em decorrência da participação na Confederação do Equador, foi absolvido, enquanto o sangue dos mártires (padre Mororó, Pessoa Anta, Ibiapina, Azevedo Bolão e Carapinima) jorrou no hoje Passeio Público, em Fortaleza”, aponta o cientista política Filomeno Moraes. Confira:
[…] Não mencionou o padre José Martiniano nem uma vez, era um nome que acendia polêmicas. Evocou, sim, a mãe do padre Martiniano, […] dona Bárbara estava acima de qualquer desdita política. Ana Miranda, “Semíramis”
Dos filhos de Bárbara de Alencar, três – Carlos, Tristão e José Martiniano – estiveram, com a mãe, envolvidos nas “revoluções” de 1817 e 1824. Os quatro ficaram presos em cárceres no Ceará, Pernambuco e, por mais tempo, na Bahia, de 1817 a 1820. Tristão, o presidente cearense da Confederação do Equador, de derrotado no campo de batalha, acabou assassinado, e o padre Carlos foi também assassinado, tudo em 1824. Bárbara viveu até 1832.
Já José Martiniano de Alencar, preso por cerca de um ano em decorrência da participação na Confederação do Equador, foi absolvido, enquanto o sangue dos mártires (padre Mororó, Pessoa Anta, Ibiapina, Azevedo Bolão e Carapinima) jorrou no hoje Passeio Público, em Fortaleza. Em seguida, deu continuidade à carreira política, somente interrompida com a sua morte, em 1860.
Alencar participou ativamente do intenso processo eleitoral dos anos imediatos, antes e depois, à Independência, obtendo assento nas duas assembleias constituintes, a reunida em Lisboa a partir de 1821, e a outra, a brasileira, inaugurada no Rio de Janeiro em maio de 1823 e dissolvida militarmente seis meses depois. Também foi um dos eleitos para a assembleia constituinte da Confederação do Equador, que deveria reunir-se no Recife. A propósito, M. E. Gomes de Carvalho (“Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821”), em referência aos constituintes cearenses, afirma que, vindos de terra “sem comércio e sem minas, conhecida da metrópole tão-somente por suas calamidades”, “nos serviços pela liberdade, […] ninguém se avantajava a Alencar”.
De fato, o padre José Martiniano, depois também o senador Alencar, foi uma das figuras mais complexas e mais importantes da política cearense, em particular, e da política brasileira, em geral, com a presença iniciada na arrebentação revolucionária de 1817, quando, à frente de familiares e correligionários, proclamou a república na vila do Crato, e prolongada pelas quadras do Primeiro Império, regencial e de parte do Segundo Império: deputado constituinte nas Cortes de Lisboa e, depois, na Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, de 1823; partícipe da Confederação do Equador; deputado geral (eleito pelo Ceará e por Minas Gerais) e presidente da Câmara; senador; e duas vezes presidente da Província do Ceará. José de Alencar, o filho romancista e pensador político, dirá que “saiu de nossa casa”, “a revolução parlamentar da maioridade” e “a revolução popular de 1842”, assim como foi na “Chácara do Senador Alencar que os perseguidos acharam asilo, em 1842 como em 1848”.
Um oceano de dúvidas e polêmicas assinala a biografia de José Martiniano, em que se misturam a documentação parca e a maledicência política, os interesses contrapostos dos que lhe traçaram o perfil da vida e obra política, em que entram as astúcias do próprio biografado, da sua família e da Igreja. Geraldo Nobre, em ensaio histórico-biográfico, anotou que “não há resposta para muitas perguntas a serem feitas sobre o Senador Alencar, muito menos soluções para várias controvérsias quanto a episódios de sua vida, de sessenta e cinco anos bem vividos”. De fato, sobre o filho de Bárbara de Alencar, as controvérsias vão desde a sua paternidade (se filho do marido de Bárbara ou do vigário do Crato) ao ano de nascimento, e à sua ordenação sacerdotal, se realmente se deu, e, tendo se dado, dera-se em Pernambuco, na Bahia ou no Maranhão. Depois, a sua vida clerical, marcada pelos laços conjugais com uma prima e pela existência de uma prole numerosa, levada à conta da “fragilidade humana”. De igual modo, distinguem-se pela polêmica a “Súplica” que dirigiu a Pedro I, o seu relacionamento com o então governador da Província, direta ou indiretamente algoz dos mártires de 1824, a execução sumária de Pinto Madeira, perseguidor da sua família e líder dos regressistas no Cariri…
Num balanço muito geral, constata-se que o padre José Martiniano foi um político habilidoso, um conspirador que intuía muito bem os momentos de avanços e os momentos de retirada, um administrador cuidadoso que, na Província do Ceará, se preocupou em disseminar a educação, construir obras de infraestrutura e combater o bandidismo. Por seu turno, foi um construtor do Partido Liberal no Ceará e uma das lideranças liberais no plano nacional. E, maçom, liberal, republicano, acima de tudo, foi um “constitucionalista material” que contribuiu para a formulação de instituições liberais, em contraposição às tendências absolutistas e centralizadoras próprias da época.
Filomeno de Moraes é cientista político. Doutor em Direito (USP). Livre-Docente em Ciência Política (UECE). Estágio pós-doutoral pela Universidade de Valência (Espanha). Publicou os livros “Estado, constituição e instituições políticas: aproximações a propósito da reforma política brasileira” (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021) e “A ‘outra’ Independência a partir do Ceará: apontamentos para a história do nascente constitucionalismo brasileiro” (Fortaleza: Edições UFC, 2022), e o e-book “Crônica do processo político-constitucional brasileiro (2018-2022).”