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“Gigantes da tecnologia, vampiros da alma humana?”

Flamínio Araripe é jornalista

Com o tíitulo “Gigantes da tecnologia, vampiros da alma humana?”, eis artigo do jornalista Flamínio Araripe. “A tela, com seu foco de luz paralisante, no uso continuado tende a atrofiar físico e cérebro. Os efeitos da sobrecarga de estímulo se agravam com o vínculo de dependência. As crianças e adolescentes são mais vulneráveis”, alerta o articulista.

Confira:

De um lado, o problema de uma geração vulnerável e com a saúde mental abalada pelo vício nas telas. De outro, a ganância de empresas que roubam e manipulam a atenção das pessoas com truques de algoritmos que têm por trás faturamento exponencial, concentração de riqueza e poder.

O hábito dos pais que, para deixarem as crianças quietas, põem nas suas mãos celular, tablets ou outros teclados – ou deixam os adolescentes entregues aos games e redes sociais – pode comprometer o desenvolvimento físico e mental dos menores. Nesta fase da vida, a formação dos pequenos requer exercitar o corpo e os sentidos no mundo real, com interação social e movimento de livre brincar.

A tela, com seu foco de luz paralisante, no uso continuado tende a atrofiar físico e cérebro. Os efeitos da sobrecarga de estímulo se agravam com o vínculo de dependência. As crianças e adolescentes são mais vulneráveis. Ansiedade e depressão surgem como alguns dos sintomas da exposição em excesso à luz
contínua e artificial. O quadro de declínio na capacidade de atenção é associado à dificuldade de concentração e de aprendizado. Ocasiona isolamento social, alterações do comportamento, baixa na autoestima, perda da identidade e, no extremo, tendência suicida. Analfabetismo físico, condição pré-mórbida para doenças.

Preocupada com o índice de obesidade entre crianças e pelo “transtorno do déficit de exercício, condição pré-mórbida para doenças futuras”, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiu em 2023 a nota técnica “Os riscos do analfabetismo físico de crianças e adolescentes: a Tríade da Inatividade Pediátrica”.

“O analfabetismo físico é caracterizado por incompetência em habilidades motoras básicas como correr, pular, arremessar, agilidade, equilíbrio e coordenação”, alerta a SBP. A entidade registra “aumento na inatividade física dos adolescentes entre 11 e 17 anos – 81% têm se demonstrado insuficientemente ativos, com uma média de declínio de 5% de suas atividades físicas por ano durante o processo de transição da infância para a adolescência”. A SBP observa ainda que “é mais fácil que crianças e adolescentes manuseiem com sabedoria os teclados de computadores e smartphones do que saibam arremessar uma simples bola”.

“Esse produto cultural – crianças e adolescentes que são mais fracos, mais lentos e mais pesados do que seus pares do passado – começa a se tornar um problema frequente no consultório dos pediatras”, notifica.

É no consultório do pediatra que chegam os casos, quando os pais já não sabem o que fazer com os filhos. Já em 2016 a SBP emitiu alerta com o manual de orientação “Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital” e em 2020 publicou normativa “Dependência virtual – um problema crescente #MENOS VÍDEOS #MAIS SAÚDE”.

Desperdício de energia e talento

“O que temos feito às crianças desde 2012 é a maior destruição do potencial humano na história da humanidade”, afirma Jonathan Haidt, psicólogo norte-americano, autor do “A Geração Ansiosa: Como a Grande Reconfiguração da Infância”, referência no estudos dos efeitos do uso intenso de telas nesta faixa etária.

O cientista Sílvio Meira, do César e UFPE, compara as horas dedicadas por um jovem brasileiro aos vídeos no Tik Tok ao tempo necessário por dia para concluir um curso de mestrado. Tamanho do desperdício de energia e talento.

Retaliação aos Estados

Tem empresas ganhando dinheiro com isso, e muito dinheiro. Empresas cujo valor supera o PIB de muitos países.

Estas companhias têm tanto poder que são capazes de retaliar países que ousam colocar limites éticos na sua ação. Assim fizeram com o Brasil e os países da Europa que proibiram o uso dos dados pessoais extraídos do Instagram, Facebook e WhatsApp pela Meta Platform para treinamento de sua ferramenta de inteligência artificial. Como punição, a Meta excluiu os países da Europa e Brasil do acesso à inovação de inteligência artificial generativa introduzida recentemente nestes seus produtos, chamada Llama 3.1. O valor de mercado de cinco gigantes da tecnologia – Apple, Microsoft, Alphabet (Google), Amazon e Meta – soma US$ 11,615 trilhões (companies market cap, 26 de julho). Esta soma, todavia, não inclui a Nvidia, a terceira maior do setor de tecnologia com foco em inteligência artificial, gráficos e computação de alto desempenho, com valor de mercado de US$ 2,811 trilhões.

É mais do que o PIB do Brasil, de US$ 2,17 trilhões em 2023 (IBGE). Para se ter ideia, o PIB da Alemanha, a quarta maior economia do mundo, é de US$ 4.07 trilhões e o dos EUA US$ 22,8 trilhões, seguidos pela China, US$ 17,5 trilhões e Japão, US$ 4,9 trilhões.

As chamadas big techs exercem crescente influência na economia global, na cabeça e nos corpos das pessoas. É um desafio a ser enfrentado por governos e democracias atuais, como enfrentar a regulamentação deste setor de modo eficaz, para equilibrar o avanço da inovação com limites éticos, com a proteção dos cidadãos, sem ampliar o fosso das desigualdades sociais.

“Uma das razões pelas quais temos governos numa democracia é para estabelecer normas e padrões mínimos e para corrigir os riscos conhecidos”, afirma Jonathan Haidt, em entrevista ao jornal “Público”, de Portugal. “Temos de ter em mente que esta é uma armadilha da qual só se pode escapar colectivamente”, constata.

“Por isso, temos de contactar outros pais, contactar as nossas escolas e os governos. Estes podem responsabilizar as empresas. Atualmente, estas podem fazer tudo o que quiserem às crianças e nada lhes acontece. Precisamos que os governos digam às empresas que se tiverem utilizadores menores de idade vão ser processadas, vão ter de pagar, eventualmente alguém irá para a cadeia por causa disso”, opina o psicológo norte-americano na sua entrevista de 21/7/2024 ao jornal citado português.

*Flamínio Araripe

Jornalista.

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