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O desmentido

Miguel Paiva é chargista e jornalista

“Ninguém se interessa pelo que eu digo”, repetia o Desmentido sentado na sarjeta na calçada da Avenida da Verdade. Ao lado uma garrafa de cachaça que ele jura, mas ninguém acredita, que não era sua. Foi colocada ali, já meio vazia, por alguém durante a noite. Quem passava pela Avenida da Verdade olhava com desprezo para aquele ser que além de abjeto, bebia.

O destino do Desmentido vinha sendo este há muitos anos. Desde que inventaram as Fake News seus espaços na imprensa foram diminuindo. Verdade que nunca foi grande. Sempre ali pela página 2, pela última coluna da página 4, mas, de uma certa forma, visível. Com as mentiras institucionalizadas o ostracismo do Desmentido ficou evidente. Foi abandonado, esquecido, desprezado e praticamente invisível. Assim como as mulheres, os negros, os indígenas, os idosos, os pobres e os não binários, justamente elementos escolhidos por ele, o Desmentido, para tentar estabelecer a verdade.

Um dos casos mais importantes que o Desmentido agiu e ninguém ouviu foi o dos proprietários da Escola Base em São Paulo que, acusados injustamente de abuso sexual, acabaram condenados publicamente e hoje, 30 anos depois o Desmentido não vê mais sentido na sua atuação. Mas ele tentou. Hoje mesmo, o TCU inocentou o Reitor da Universidade de Santa Catarina, Luís Carlos Cancellier, acusado sob influência de Moro e Dallagnol de corrupção e que acabou se suicidando. O Desmentido agiu, tentou dizer a verdade, se manifestou, mas nada. Hoje ele também acha que não vale mais a pena falar pois não traria Cancellier de volta.

Mas ele trabalha muito nos casos que às vezes nem ficamos sabendo. As mentiras, de tanto serem ditas e repetidas, acabam se tornando verdades absolutas. Pessoal acredita e mesmo que o desmentido se manifeste, suas palavras são desprezadas, jogadas no lixo e só são reveladas se a justiça decidir que vale a pena dar aquele espaço ao pobre coitado do Desmentido.

Com isso ele foi ficando fraco, desnutrido, desacreditado e rejeitado. A Mentira é sedutora, fascinante, capaz de tudo para te envolver e convencer. Não tem pudor nem respeita a lógica ou o bem público. A Mentira não tem moral e sua perversão acaba sendo muito mais tentadora do que a simplicidade da verdade. E uma simples verdade dita em confronto a uma mentira insuflada, vitaminada e colorida perde toda a sua força e acaba morrendo em poucos segundos num jornal que se viu obrigado a publicá-lo.

Precisamos dar mais espaço aos desmentidos. Eles existem, eles têm conteúdo e, sobretudo, razão. O Desmentido pode dar um novo sentido às coisas. Não deixe de dar importância a ele quando o encontrar. Ele pode revelar a diferença entre a civilização e a barbárie, entre a democracia e a tirania, entre você e aquele cara que te acusa sem provas. Se liga.

Miguel Paiva é chargista e jornalista

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