“Tristão teve a oportunidade de, inclusive, evadir-se para o exterior. Não aceitou, preferiu enfrentar as forças imperialistas”, aponta o cientista política Filomeno Gomes.
Confira:
O Filgueiras e Tristão,/Mororó, e Ibiapina,/Andrade e Carapinima/Todos na glória já estão./Para exemplo sirva então/O que Deus nos tem mostrado./De tê-los em seu estado,/No paraíso sem fim/Só eles gozam assim./Todo “corcunda” é malvado. (Manoel Felippe Castello Branco, poeta popular de Baturité, segundo João Brígido)
Tristão Gonçalves Pereira de Alencar, depois Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, marcou a história do Ceará com intensa atividade revolucionária e política, no período que vai da proclamação da República do Crato (Revolução de 1817), continuou com a participação como um dos comandantes das tropas cearenses que enfrentaram as tropas portuguesas no Piauí e no Maranhão e culminou com a presidência da Província do Ceará no ano de 1824.
Tristão era filho da pernambucana Bárbara de Alencar e do português José Gonçalves dos Santos, tendo nascido na localidade denominada Salamanca, no Crato (hoje Barbalha), no dia 17 de setembro de 1789. Com a mãe e os irmãos José Martiniano Pereira de Alencar e Carlos José dos Santos, parentes e correligionários, tomou parte da Revolução de 1817 e da Confederação do Equador (1824). Por sua participação em 1817, foi encarcerado por cerca de quatro anos no Ceará e Bahia. Quando da Confederação, esteve intimamente a quatro personalidades, a saber, Bárbara de Alencar, José Martiniano de Alencar, Pereira Filgueiras e o padre Mororó.
Levados dos cárceres cearenses para o cárceres baianos, nestes os presos receberam melhor tratamento. Um fato inusitado então aconteceu, assim descrito por um dos prisioneiros políticos, o historiador Muniz Tavares: “Com avultado ganho [o carcereiro] começou a conceder o uso de papel, tinta, pena, e livros, que os encarcerados por seu meio compravam”. Como consequência, “a maior sala daquela cadeia assemelhava-se à sala de um liceu: ali moços e velhos com edificante assiduidade consagravam o dia inteiro à aplicação literária”. Geová Sobreira, biógrafo de Tristão, destaca que os dois anos passados na prisão baiana o transformaram de um jovem impetuoso e valente, proprietário rural, em “um grande líder político e condutor de massas populares que marcará a história da Independência do Brasil”.
Em 1823, juntamente com Pereira Filgueiras, Tristão comandou a expedição que, no Piauí e Maranhão, deu combate às tropas do comandante português João José da Cunha Fidié. De volta ao Crato, o exército que conquistara Caxias, no Maranhão, das tropas portuguesas resistentes à Independência, teve notícia da dissolução da Assembleia Constituinte. João Brígido assinala que Tristão, que havia sido “a alma de todos os movimentos políticos desde a criação do governo provisório no Icó, sempre exaltado e irrefletido, abraçou a proposta de revolta”. Na sucessão dos acontecimentos, em 29 de abril de 1824, em Fortaleza, Tristão foi escolhido presidente temporário da Província do Ceará.
No dia 26 de agosto de 1824, em Fortaleza, o “Grande Conselho Provincial” adotou a forma de governo republicana, aderiu à Confederação do Equador e aclamou Tristão presidente da Confederação do Equador no Ceará.
A República do Ceará durou pouco. Tristão teve a oportunidade de, inclusive, evadir-se para o exterior. Não aceitou, preferiu enfrentar as forças imperialistas e os “corcundas” (denominação que se atribuía aos absolutistas de várias gradações). Nas palavras do Barão de Studart, “vencido, traído e abandonado dos seus”, morreu no dia 31 de outubro de 1824, no lugar denominado Santa Rosa, atualmente submerso pelas águas do Açude Castanhão, no município de Jaguaretama. Ali, trucidado, teve os restos mortais vilipendiados e expostos, por vários de dias, à execração pública e à fúria da natureza, antes de ser sepultado.
A voz de dois cronistas dá a exata dimensão de Tristão, o herói trágico. Segundo o Barão de Studart, Tristão foi “a alma da Revolução do Equador no Ceará”. Por sua vez, P. Théberge assinala: “Tristão era essencialmente liberal; amava a república com frenesi; ela era o objeto dos sonhos de sua vida; e vivia na íntima convicção de que nenhuma outra forma de governo convinha mais à sua pátria; e essa convicção era sincera”.
Filomeno Moraes
Cientista Político. Doutor em Direito (USP). Livre-Docente em Ciência Política (UECE). Estágio pós-doutoral pela Universidade de Valência (Espanha). Publicou os livros “Estado, constituição e instituições políticas: aproximações a propósito da reforma política brasileira” (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021) e “A ‘outra’ Independência a partir do Ceará: apontamentos para a história do nascente constitucionalismo brasileiro” (Fortaleza: Edições UFC, 2022), e o e-book “Crônica do processo político-constitucional brasileiro (2018-2022).” (Fortaleza: Edições Inesp, 2022).