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“A Precária Governabilidade das Cidades”

Dalton Rosado é advogado e escritor. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “A Precária Governabilidade das Cidades”,eis artigo de Dalton Rosado, advogado e um dos fundadores do PT de Fortaleza. Ele aborda o desafio de gerir sob o Capitalismo.

Confira:

“A melhor atração de uma cidade é a qualidade de vida de seus moradores.”

Jaime Lerner

O capitalismo vige em todos os quadrantes do Planeta, e suas cidades, em maior ou menor grau, são todas cindidas entre bairros ricos e cinturões de pobreza. A diferença entre as cidades dos poucos países ricos e os muitos países pobres reside apenas no grau dessa cisão social.

Isto ocorre, evidentemente, por conta da segregação social própria a uma relação social escravista na qual o capital, administrado pelos capitalistas empresariais ou rentistas (que se subordinam às regras ditatoriais a eles impostas, ainda que em grau de conforto absurdamente melhor em relação aos trabalhadores abstratos), escraviza a todos, ainda que de forma diferenciada perante os súditos da sua cidadania, tal como ocorre na referida cisão espacial citadina.

Registre-se, entretanto, por uma questão de análise da essência da dinâmica socialmente destrutiva e logicamente autodestrutiva do capitalismo, que até ser empresário médio, hoje, significa carregar uma pesada carga de esforços visando à difícil manutenção dos seus privilégios empresariais.
É dentro deste quadro que o administrador do aparelho básico do Estado, o governo do Município, conforme nossa Constituição Federal, atua como se fosse um síndico das questões administrativas da cidade e responsável por contribuir na educação básica e saúde ambulatorial aos seus moradores.

Registre-se, por questão de reconhecimento público, que os serviços prestados pelo funcionalismo municipal nas áreas da saúde, educação, limpeza pública, planejamento urbano e controle de construções, meio ambiente, controle do trânsito, controle sanitário, conservação da malha viária e pavimentação, incentivo ao turismo, assistência social, entre tantos outros serviços e ações que repercutem diretamente a vida cotidiana de todos, representam o lado bom da função do aparelho estatal municipal, em que pese todas as dificuldades de execuções.

Da mesma forma, a criatividade de ações de melhoria de comportamentos para os munícipes na vida urbana, idealizadas e efetivadas pelos técnicos do quadro de funcionários públicos, somam-se aos elogiáveis esforços do funcionalismo que aliviam a cisão social que penaliza principalmente os bairros da periferia e os que neles moram.

O administrador municipal pouco ou apenas indiretamente interfere nas questões econômicas nacionais, e quase não tem receita fiscal própria derivada de impostos por ele cobrados, que se restringem a,
– (i) imposto sobre serviços (ISS);
– (ii) imposto sobre propriedade territorial urbana (IPTU);
– (iii) imposto sobre transações imobiliárias (ITBI);

Assim, as verbas municipais dependem do sucesso das atividades empresariais econômicas estaduais e federais e seus respectivos tributos, e dos repasses dos aparelhos de estado que funcionam como instâncias estaduais e federal, fixados na lei tributária. Os Municípios, são, portanto, dependentes de fatores econômicos nos quais tem pouca interferência.

Os governantes dos Municípios administram a escassez, notadamente no atual estágio da depressão econômica mundial e de uma economia altamente interligada globalmente por mecanismos de mercado e quadro de dificuldades financeiras que se observam mundo afora, em maior ou menor grau em cada país, dependendo de sua situação no cenário de disputa hegemônica de blocos politicamente dessemelhantes, mas sob uma mesma lógica econômica global.

Além do comprometimento quase integral do orçamento público com os custos fixos impositivos pelas rubricas orçamentárias (folha do funcionalismo, duodécimo da Câmara de Vereadores, coleta de resíduos sólidos, custos operacionais de funcionamento da máquina administrativa, etc.), ainda tem a dívida pública impagável para com a União, administrada pelos Presidentes do Bancos Oficiais (Banco do Brasil S/A e Banco do Nordeste do Brasil S/A) e seus juros, que transformam o Prefeito em pedinte vulnerável às exigências de apoio político.

No caso brasileiro, que tem estrutura fiscal centralizada na União, circunstância que a recente reforma tributária recepcionou conservando os recursos na União e nos estados (que se pretende haja melhoria de receitas dos Estados membros), as rubricas orçamentárias municipais fixas, de obrigações inafastáveis de que falamos, consomem a quase integralidade do orçamento, restando poucas verbas discricionárias para o governante municipal deliberar sobre suas políticas públicas de investimento.

Em razão de dependência ao governo federal, principalmente, e de entendimentos com o governo estadual, os Prefeitos são como que obrigados a beijar a mão dos parlamentares federais para que consigam emendas orçamentárias federais para obras que considerem importantes (aí entra o indefectível centrão que é quem define, sem critérios técnicos pré-estabelecidos, essa questão).

Corrupção à parte.

Há, também, a dependência municipal à boa vontade política dos vários Ministérios, que apesar de distantes dos Municípios, é quem define a aprovação de projetos técnicos, cujas liberações de verbas não obedecem a critérios legais, de prioridades, mas única e exclusivamente ao lobby político.

Isso, evidentemente, causa uma distorção de interesses dos citadinos e de avaliação de desempenho dos Prefeitos.

Ciro Gomes, em 1989, por exemplo, após a volta da relativa autonomia financeira dos Municípios com a Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, encontrou uma Prefeitura de Fortaleza saneada, com uma avalanche de projetos técnicos que obedeciam a mais alta prioridade para Fortaleza, mas dormiam nas gavetas Ministeriais.

Entretanto, contou com o apoio do governador Tasso (a quem abandonou posteriormente, para agora se reconciliar) e do Presidente Sarney (hoje sem o mesmo poder de antes), e pôde ser considerado o melhor Prefeito do Brasil, credenciando-o a um voo que lhe permitiu, já no ano seguinte, 1990, e bastante jovem, ser eleito Governador do Ceará.

Já a Administração Popular, perseguida por fazer oposição aos então Governadores (Gonzaga Mota em 1986, e Tasso Jereissati de 1987 a 1989) e ao Presidente Sarney (que se tornou Presidente mesmo sendo tendo sido presidente do partido da ditadura e então recém-filado ao partido da oposição consentida, o PMDB, neste Brasil macunaímico), além da antipatia do próprio PT e partidos de esquerda, que lhe fizeram oposição, teve avaliação injustamente negativa (a história haverá de considerá-la uma nova Bárbara de Alencar, com imaculado comprometimento revolucionário e emancipacionista).

O preço de não se ajoelhar ao capitalismo é bastante alto, e mais alto ainda se se trouxer uma bandeira de ruptura com o status quo desta forma de relação social infrutífera sob qualquer prognóstico.

Tive a honra de ser candidato à reeleição da Prefeita Maria Luíza e por ela indicado e apoiado, fato que nos custou a expulsão do PT, e hoje me regozijo por não termos conciliado com tudo que é contrário ao pensamento revolucionário, e por estar em condições de denunciar a conciliação espúria que significa traição ao povo e denunciar o verdadeiro conteúdo do significado e função do aparelho de estado nas três instâncias governamentais.

Recentemente fui entrevistado pelo bom comunicólogo de rádio e TV Luiz Regadas, e perguntado sobre o que faria se fosse candidato, respondi-lhe que jamais voltaria a sê-lo, mesmo que tivesse certeza de ser eleito, porque isso é o que me credencia para denunciar a verdadeira anatomia de um governo municipal impotente para a consecução de suas importantes funções (todos moramos nos municípios) e submisso, cujos candidatos tentam vender uma ideia de solução para os graves problemas municipais que são inexequíveis sob a forma político-econômica-administrativa centralizada que temos.

Perdoem-me os que acreditam que um bom administrador e com uma boa equipe podem ajudar a melhorar substancialmente muita coisa, porque digo que mesmo com tal perfil, ele pode, apenas, minorar os problemas sociais graves, mas sem alteração substancial da tragédia social de uma cidade cindida pelo capitalismo e sem que o aparelho de estado municipal possa transformar sua realidade caótica.
Preparem-se! É ano de eleições municipais e vai começar o festival de propostas salvadoras para as administrações municipais por todos os candidatos, que simplesmente afrontarão a nossa mais rasteira inteligência.

*Dalton Rosado

Advogado e escritor. Participou da criação do PT em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CDPDH), da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980.

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