“Martins Filho, professor catedrático da Faculdade de Direito, seria mais uma vez convidado para o que haveria de tornar-se atividade perseverante em sua vida — criar Universidades”, aponta o cientista político Paulo Elpídio de Menezes Neto
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O episódio recente da tentativa de expropriação do nome do Fundador da UFC da Concha Acústica, Martins Filho, evoca a crônica esquecida de sórdidos eventos que a nossa memória desconhece ou esconde pela vergonha que nis causam.
A primeira tentativa para a criação de uma Universidade no Ceará ocorre nos anos 1948, no governo do desembargador Faustino Albuquerque, saído das hostes da UDN.
Martins Filho, a pedido do governador, elabora Exposição de Motivos de uma Mensagem dirigida à Assembleia Legislativa. O documento jamais seria apreciado; morreu nas futricas partidárias para a escolha do reitor da futura Universidade.
Houve reitor ungido, no Ceará, antes de ser criada a reitoria de uma Universidade que lhe desse guarida e assento. O governador intentaria fazer do filho, seu secretário de educação, o primeiro reitor, de uma Universidade por ser criada, ainda no papel do seu batismo.
Foi preciso correrem cinco anos, ao final do governo Getúlio Vargas, para que a ideia de uma Universidade cearense voltasse a ocupar o imaginário dos políticos e a ansiedade dos filhos da Terra.
O PSD, senhor das mais poderosas oligarquias, sob a pressão dos interesses políticos da província, põe em pauta a criação de uma Universidade “cearense”. Todas as circunstâncias eram favoráveis ao ambicioso cometimento.
As forcas políticas dominantes, sob o peso dos interesses das lideranças “pessedistas”, cunharam o nome do reitor, antes de aprovado o ato instituidor da Universidade e da sua inevitável reitoria. Mais uma vez, surgia o nome de um reitor pronto, extraído de acordos de lideranças, para uma Universidade inexistente.
Martins Filho, professor catedrático da Faculdade de Direito, seria mais uma vez convidado para o que haveria de tornar-se atividade perseverante em sua vida — criar Universidades. No Ceará, criou cinco, embrião de outras tantas que se multiplicam celeremente pelos recônditos do Ceará.
Uma tragédia, entretanto, interromperia a magnificação anunciada do projeto da nossa primeira Universidade — o suicídio de Getúlio Vargas.
De volta ao ponto de partida, a ementa de uma Exposição presidencial sai das mãos de Martins Filho e, na Câmara dos Deputados, recebe o parecer favorável de outro cearense — o médico João Otávio Lobo, pessedista, para ser finalmente transformada em lei — em um novo governo. Café Filho, vice-presidente que ocuparia a presidência por curto e agitado período de grandes escaramuças políticas.
Martins Filho, em indicação expressiva na testa de lista tríplice, é feito reitor, contra todas as expectativas de acordos e conveniências políticas celebrados pelas velhas oligarquias…
Reitor, assistiu ao desmoronamento da ordem constituída, em 1964. Foi acusado pelos novos agentes do autoritarismo, comandados por um auto-nomeado constitucionalista, ungido Robespierre, por tanto ódio e tamanha mediocridade, vingador à frente de um prosaico “Terror” bacharelesco.
MF, altivo, com a combatividade e a coragem dos homens de boa têmpera,
a tudo venceu, pôs em guarda os seus detratores e governou por 12 anos a UFC, coberta pelo prestígio que lhe davam a sua postura corajosa e a competência de um reitor respeitado.
Em conflito com o presidente Castelo Branco, o primeiro dos cinco-generais-presidentes, não fez sucessor na reitoria. Substituiu-o um professor anônimo cujo rastro pode ser seguido, pelas marcas deixadas na máquina de controle de segurança e informações daquela “revolução”.
A sua sucessão, de autor de obra concluída, a mais importante de quantas viram a luz por aqui, com as transformações da acanhada província daqueles tempos, abriu cobiças e ambições desmedidas. E uma composição de ajustes eleitorais. Uma embaixada para Martins Filho, como compensação da sua cumplicidade, uma vaga no Senado e — a reitoria. A impertinência de MF pôs por terra essas ágeis combinações. Recusada a troca pelo reitor em final de mandato, foi-se a partilha dos assentos no Senado, no governo do Estado e reitoria. Da embaixada livrou-se a tempo MF…
Pretenderam contestar a marca da presença do velho reitor e comprometer as suas ideias, nos cometimentos para a criação da UFC. Houve quem pretendesse apagar os traços fortes do seu pioneirismo. E mais aqueles que buscavam comprometê-lo, com ideias que nunca foram as suas, senão as da liberdade, tentando roubar-lhe a marca deixada em uma universidade atuante, matriz permanente do Conhecimento e de habilidades.
Negaram-lhe rua e avenida, esses logradouros ornamentados com a designação de nomes anônimos — para ceder-lhe espaço em um elevado de passagem.
Pela conservação do seu nome na Concha Acústica, símbolo destacado do projeto arquitetônico à sombra do qual afirmou-se a UFC, levantaram-se a opinião pública e a voz de gerações que compartilharam o orgulho de terem vivido uma aventura extraordinária de descobertas e de aprendizado.
É de gente assim, com a determinação dos fortes, que extraímos o exemplo das nossas ambições.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC