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“Maravilhosos bêbados: um brinde à memória”

Totonho Laprovítera é arquiteto e escritor. Foto: Reprodução

Com o título “Maravilhosos bêbados: um brinde à memória”, eis mais um conto da lavra de Totonho Laprovitera, arquiteto, escritor e artista plástico.

Confira:

“Sem bebida não há diálogo!” (Valter Furtado)

Se eu for contar todas as esquisitices de bêbados que já vi por aı́, não dá nem para começar. Não caberia aqui nem meio por cento do que sei. Mas me deixa lembrar logo uns causos da Praia do Futuro de antigamente.

Na barraca “Balanço do Mar”, tinha um cabra que gostava de cachaça e tirava o gosto fungando “Vick Vaporub”. Isso mesmo que você leu! E eu que pensava já ter visto de tudo, até assistir na barraca “Kabuletê ” a um amigo beber um litro inteiro de cana roendo só uma bala de hortelã Pipper.

Mas tem uma história que é para guardar para sempre. Edmilson bebia todo santo dia. Só que ele nunca bebia sozinho. Se não encontrasse viva alma para acompanhar, nem saı́a de casa. Preferia montar o botequim no quintal. E era um espetáculo: arrumava a mesa com toalha quadriculada de vermelho e branco, um encardido prato de matéria plástica amarela, com a beira bordada e o fundo todo riscado de faca, uma cajarana cortada em gomos, um saleiro, dois copinhos americanos e o litro da famosa água-que-passarinho-não-bebe.

Agora, a companhia era inusitada. Pegava a boneca “Amiguinha” da irmã caçula, sentava-a em uma confortável cadeira de braço com assento de tiras de couro e estava tudo certo. Lá ficavam os dois, ele e a “Amiguinha”, papeando sobre os assuntos da boemia. E o ritual era sempre o mesmo: Edmilson servia a cachaça para a boneca, servia-se e tome conversa. Só que, claro, a “Amiguinha” nunca bebia e não dava um pio. E ele, revoltado, resmungava: “Você lá quer beber!” Aı́, tomava logo dois goles: um por ele e outro por ela. E assim ia a noite inteira, naquele bate-papo animado entre um cabra apaixonado pela cana e uma boneca que, obviamente, não estava nem aı́ para ele.

E o finado Tarcı́sio Sardinha, hein? Esse deixou saudades e histórias para contar. Bastava uma simples ameaça de chuva e, pronto, começava o apelo dos papudinhos ao telefone: “E aı́, parceiro, já viu como o tempo tá ‘Colonial’?“ – código da boemia; sinal para se tomar todas. E Sardinha, generoso que só , jamais dizia não a um convite desses. Não tinha tempo ruim – literalmente. Não precisava nem o tempo fechar para ele estar lá , todo animado, dividindo a mesa com os amigos e garantindo que as gargalhadas e os goles fossem tão constantes quanto a promessa dos pingos da chuva. Sardinha sabia transformar qualquer dia cinza em um dia bonito para quem tinha a sorte de estar com ele.

Quer saber de uma coisa? Bora beber! Depois eu conto mais.

*Totonho Laprovítera

Arquiteto, escritor e artista plástico.

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