“‘O Presidente Negro’ é o único romance que Monteiro Lobato escreveu para o público leitor adulto. Essa obra, pouquíssimo lembrada, é extraordinária”, aponta o jornalista e poeta Barros Alves
Confira:
A literatura, em vários momentos, tem demonstrado sua face profética. A ideia de que a literatura pode ser uma forma de profecia é fascinante e tem sido explorada por muitos autores e críticos ao longo da história. Com efeito, a literatura tem o poder de antecipar e refletir as tendências e mudanças da sociedade. Os autores dotados de fértil imaginação e aguçado dom de percepção, podem criar obras que comentam sobre possíveis eventos futuros e até preveem acontecimentos que ocorrerão bem à frente do seu tempo.
Cito dois exemplos para chancelar minhas afirmações. O primeiro vem por intermédio da ficção de Irving Wallace, escritor norte-americano, autor de mais de 30 livros, que previu a eleição de um presidente negro nos EUA. O romance “O Homem – O choque inevitável: um negro na Casa Branca”, conta a história de Douglas Dilman um negro que chega à presidência dos Estados Unidos trilhando ínvios caminhos. O livro foi publicado em 1964, três anos depois de haver nascido Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, eleito em 2008. Obama foi o 44⁰ presidente da nação norte-americana e governou durante dois mandatos, de 2008 a 2017.
PORÉM, muitos anos antes de Wallace, o brasileiro Monteiro Lobato previu por intermédio de um imaginário “porviroscópio”, a eleição de um negro para presidir o racista povo norte-americano. Monteiro Lobato publicou originalmente “O Presidente Negro” em folhetins, no jornal A MANHÃ, do Rio de Janeiro, entre os dias 5 de setembro a 1⁰ de outubro de 1926. Lobato foi, portanto, o pioneiro nesse ato de criação literária que imaginou um negro na presidência da nação norte-americana, tão poderosa quanto racista.
Reconhecidamente um escritor de obras infanto-juvenis, em razão das quais alcançou grande sucesso, “O Presidente Negro” é o único romance que Monteiro Lobato escreveu para o público leitor adulto. Essa obra, pouquíssimo lembrada, é extraordinária. Discute não apenas a segregação racial nos EUA, mas a hegemonia asiática, onde assoma a China, que no visionarismo do autor pode se tornar um gigante industrial no terceiro milênio, algo impensável no limiar do século XX; entre outros “delírios”, aborda experimentos científicos, como os clones atuais, “em que seres humanos criados pela Corporação Psíquica de Detroit, desdobravam-se, multiplicando os cinco sentidos.” Enfim, não consigo compreender porquê as editoras não reeditam “O Presidente Negro” com a mesma boa vontade com que o fazem em relação às demais obras de José Bento Renato Monteiro Lobato.
Barros Alves é jornalista e poeta