Com o título “Fibonacci, o Bugueiro e o Maluco Beleza: o dia em que a Terra parou”, eis artigo de Mauro Oliveira, professor do IFCE e PhD em informática por Sorbonne University.
Confira:
(Dedicado ao Dr Marcelo Alcântara, medalha Abolição, inventor do Elmo, um cientista que salva vidas)
Já reparou como muitos fenômenos da natureza compartilham formas surpreendentemente parecidas? Desde a espiral elegante de uma concha de caramujo até a majestosa formação da
Via Láctea, passando pelas obras de Da Vinci … há uma harmonia subjacente que segue padrões matemáticos.
Um desses padrões é a sequência de Fibonacci, em que cada número é a soma dos dois anteriores (1, 1, 2, 3, 5, 8…). Popularizada pelo matemático italiano Leonardo Fibonacci em 1220, em seu livro Liber Abaci, essa sequência, chamada de "código secreto da natureza", revela a matemática na beleza do mundo ao redor.
Fibonacci voltou a fazer parte da minha "estrada", recentemente, enquanto eu construía um caramanchão no meu cafofo, em Canoa Quebrada (Aracati). Quando olhei as vigas de madeira que seriam fixadas igualmente no muro, me deu um faniquito e gritei para o mestre carpinteiro: “Seu Orlando, distribua as vigas na sequência de Fibonacci!” Ele me lançou um olhar desconfiado, quase de soslaio, e respondeu com um rosnado divertido: “Fiba o quê, dotô?”
Essa maldade involuntária com Seu Orlando acabou sendo “vingada”, de forma didática pelo destino. Ao receber um dia meus bolsistas do LAR (Lab de Redes e Sistemas) em casa, não só
mostrei a eles as “vigas fibonaccianas”; como os desafiei a calcular as distâncias entre elas que seguiam essa fascinante sequência numérica.
Como profetizei, não sairia ileso dessa história. Antes de nos despedirmos, avistamos um Fiat atolado em areias "Velozes e Furiosos". Era a nossa oportunidade de escoteiro: a boa ação do dia! Mas, como diria Fedro aos bolsistas de Platão, não é “porque a velhinha está na esquina que ela quer atravessar a rua”.
Começa, então, a “operação BPDC – Baden-Powell nas Dunas de Canoa”: À medida que retirávamos a areia ao redor do pneu, experimentando princípios de Física I (não aplicáveis a um Fiat atolado), o carro preferido de Cesare Battisti ficava cada vez mais movediço. Vixe Maria!
E o bugueiro com isso? Surgiu do nada como um He-Man aloprado … antes daquela vaia silenciosa (e cruel) que os alunos reservam para uma aula que dá errado.
Como ele tinha a “força”, o homem certo no momento exato (Outliers, de Malcolm Gladwell, 2020), sua primeira medida sensata foi me retirar do comando da operação BPDC. A segunda foi corretiva. O bugueiro começou fazer tudo ao contrário do que eu tinha feito: colocar areia embaixo do pneu, levantando o carro. A terceira foi me pedir para trazer uma tramela. Rosnei na hora: “Treme o quê, dotô?”.
Fiat finalmente liberado, num frio escaldante de Teresina ao meio-dia, meus bolsistas receberam uma aula inesquecível de solidariedade e sabedoria prática com o mestre bugueiro… que, sem percebermos, escafedeu-se, rumo da venta, sem nem dizer “a sua graça”!
Dessa lição de sabedoria nativa do bugueiro, fiquei cá matutando sobre a ruma de vaidade, prepotência e egoísmo que costura o nosso dia a dia de terráqueos-sapiens. Melhorar o mundo… pra quê, mesmo, hein? Imigrantes, que se lasquem no mar, bando de fi duma égua teimosos! Sem teto, que se fod@, vagabundo!
Messiânicos milionários? Que continuem solapando (impunes, claro) a fé dos seus pobres fiéis… e que a grana vá toda “ADeus”! Lesbianos e gays? Que se escondam, ora bolas! Negros? Que continuem nos porões — e, de preferência, que virem poeira logo! Periferias, que fiquem sem água … e pra lavar as mãos, álcool-gel na loja da esquina?
Arre égua desse mundo de meu Zeus! … É o Darwinismo Social mandando lembranças, a nos impregnar com a competição ao estocarmos avidamente suprimentos, legitimando a “lei do Gerson”! Tá liberado: é cada um por si, e “quem for podre que se quebre”!
De repente, não mais que de repente, … é 2020: Um vírus “embriagado” irrompeu no mundo sem aviso… e tudo se reconectou (ou foi forçado a se reconectar) nesse vasto firmamento que
tantas vezes nos assusta.
O planeta azul recebeu uma lição do essencial da vida. O que antes parecia um problema distante tornou-se, num piscar de olhos, de todos nós. A questão deixou de ser individual e revelou-se, com clareza brutal, profundamente coletiva. Ficou impossível ignorar: estamos todos entrelaçados por algo muito maior do que nós.
No “Dia em que a Terra Parou”, ganhamos uma chance rara: refletir e redescobrir aquilo que nem mesmo os futuros robôs humanoides, com toda a sua prometida singularidade, poderão replicar: a solidariedade, o olhar generoso para o outro, a sensação de fazer parte de um todo maior.
Quem sabe, Raulzito, a gente ainda consiga transformar aquele ensaio “Maluco Beleza”; de 2020, num espetáculo grandioso da vida, reverberando pelo universo, esse mesmo universo,
talvez cansado de nos observar… mas atento a ver se, enfim, aprendemos a lição.
*Mauro Oliveira
Professor do IFCE e PhD em informática por Sorbonne University.