“Do Vento ao Fundo do Mar: Como o Litoral Cearense Pode Liderar uma Nova Revolução Azul no Clima” – Por Cândido Neto

Geógrafo Cândido Henrique, ex-superintendente do Iphan-CE. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “Do Vento ao Fundo do Mar: Como o Litoral Cearense Pode Liderar uma Nova Revolução Azul no Clima”, eis artigo de Cândido Henrique de Aguiar Bezerra, geógrafo e estrategista em Sustentabilidade do SENAI/FIEC. “Os recifes artificiais com função ecológica e climática podem ser incorporados aos projetos de eólica offshore como medida de compensação e valorização ambiental. Em águas tropicais como as do Ceará, a indução ao crescimento de corais e algas calcificantes em estruturas submersas tem grande potencial para sequestro permanente de carbono, em escala considerável”, expõe o articulista.

Confira:

A costa do Ceará, conhecida pelo seu potencial na geração de energia eólica, pode estar prestes a se tornar protagonista de uma inovação climática que une tecnologia, economia azul e conservação ambiental.

Com ventos constantes e uma plataforma continental favorável, o litoral cearense já desponta como um dos mais promissores do Brasil para projetos de energia eólica offshore. Mas, além da produção de energia limpa, os projetos em alto-mar também podem incorporar soluções de captura, uso e armazenamento de carbono (CCUS). Isso porque suas estruturas — fundações e componentes submersos — oferecem oportunidades inéditas como atratores de vida marinha para a geração de projetos em créditos de carbono através da captura e armazenamento de CO2 por estruturas de recifes artificiais de corais.

Nesse contexto, a utilização de recifes artificiais como ferramenta de sequestro de carbono em áreas marinhas, o Blue Carbon, vem ganhando força. Trata-se da fixação de CO2 por organismos marinhos como corais, algas calcárias e moluscos, que o convertem em biomassa ou estruturas calcificadas.

Por outro lado, um dos grandes desafios ambientais da energia eólica é o destino das pás eólicas após sua vida útil. Compostas de materiais resistentes como fibra de vidro e epóxi, essas estruturas são difíceis de reciclar. Em vez de irem para aterros ou incineração, uma nova abordagem propõe o reaproveitamento das pás como módulos de recifes artificiais.

Neste sentido, existem alguns experimentos internacionais em desenvolvimento, como o projeto Re-Wind nos EUA, Irlanda e Reino Unido, que vêm testando essa ideia. Cortadas, tratadas e submersas, essas pás servem de base para o crescimento de organismos marinhos, além de fornecerem abrigo para peixes e invertebrados. A solução alia redução de resíduos sólidos, restauração marinha e geração de créditos de carbono.

Os recifes artificiais com função ecológica e climática podem ser incorporados aos projetos de eólica offshore como medida de compensação e valorização ambiental. Em águas tropicais como as do Ceará, a indução ao crescimento de corais e algas calcificantes em estruturas submersas tem grande potencial para sequestro permanente de carbono, em escala considerável.

Pesquisas mostram que os recifes artificiais bem projetados podem atuar como sumidouros de carbono, contribuindo para metas de mitigação climática. Este processo, parte do que se chama de Blue Carbon, é cada vez mais valorizado em mercados internacionais de créditos de carbono e no financiamento climático.

A proposta é que os projetos eólicos offshore no Ceará incorporem, desde o licenciamento ambiental, planos de implantação de recifes artificiais com pás inservíveis e zonas coralinas assistidas, gerando benefícios sociais, ambientais e econômicos, como a captura adicional de carbono com os recifes artificiais, a criação de habitats marinhos e incremento da biodiversidade e a valorização dos ativos ambientais no mercado de carbono, além da contribuição socioeconômica para as populações pesqueiras tradicionais da costa cearense que seriam beneficiadas por um ambiente marinho mais piscoso e seguro para sua atividade econômica sustentável.

Neste sentido o Ceará reúne todos os ingredientes para liderar essa nova fronteira, ou seja, uma vasta costa com potencial de geração eólica offshore, universidades e centros de pesquisa avançados como o Labomar (UFC) e o Laboratório de Gestão Integrada da Zona Costeira (LAGIZC – UECE), empresas já engajadas com economia de baixo carbono com parcerias inclusive com o
Centro de Excelência para Transição Energética do SENAI-FIEC na Barra do Ceará, e claro, uma forte vocação para inovação ambiental.

Iniciativas como essa exigem visão estratégica, articulação entre setor público, privado e academia, e abertura para projetos-piloto inovadores. O uso de resíduos como solução ambiental e a sinergia entre energia renovável e recuperação marinha colocam o estado como laboratório vivo da bioeconomia costeira.

Ao transformar um passivo ambiental como as pás eólicas desativadas ou inservíveis em um ativo ecológico, o Ceará pode virar exemplo global e figurar na vanguarda internacional como protagonista de geração de energia associada a conservação dos recursos naturais e desenvolvimento social e assim unir energia limpa, inovação circular e soluções baseadas na natureza para combater as mudanças climáticas. O mar guarda a chave para um futuro sustentável. E o Ceará está diante da porta de passagem de um mundo sustentável.

*Cândido Henrique de Aguiar Bezerra

Geógrafo e estrategista em Sustentabilidade do SENAI/FIEC.

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