“Há, claro, que se esperar um pouco para a encíclica de Leão XIV, mas me parece claro que o conservadorismo voltou à terra do túmulo de Pedro. E isso não é bom”, aponta o historiador Fernando Horta
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Numa reviravolta não prevista, o conclave de maio de 2025 termina em menos de 48 horas com a escolha de Robert Provost como papa. Provost não era dos mais cotados a assumir em especial por seu trabalho de acobertamento de padres e outros membros da Igreja norte América quando dos escândalos sexuais que sacudiram a Igreja Católica no início do século XXI. Sua atuação foi muito criticada tanto pela falta de transparência com que tratou os indicados nos escândalos, quanto pela permissão de que estes indivíduos continuassem sob a cobertura e apoio da Igreja mesmo após o reconhecimento de culpa. Também Provost trabalhou muito para garantir o silêncio das vítimas organizando indenizações e acordos de toda sorte dizendo que era para proteger a Igreja.
Robert Provost escolheu o nome de Leão XIV e isso tem toda uma significação. Na Tradição dos papas “Leão” vai desde Leão I é conhecido como o “Salvador de Roma” por ter negociado pessoalmente com Atila, o huno, para que ele não invadisse a cidade do Vaticano. Leão III, por exemplo, é o coroador de Carlos Magno no ano de 800 fazendo a força do imperador funcionar como proteção da Igreja. Leão IV fortifica a cidade do Vaticano e reforma a Basílica de São Pedro já esperado invasões e Leão IX é o papa que sofre o chamado “Cisma do Oriente” em 1054, quando as Igrejas Católicas Apostólicas Romana e Ortodoxa Grega se separam definitivamente. De alguma maneira, a simbologia é que a Igreja está sob ataque e que precisa ser defendida. Os papas “Leão” são conhecidos por esse legado.
A questão é: qual ataque que Robert Provost identifica? E, apesar de muitos estarem escrevendo que ele será um “opositor” de Donald Trump, é necessário esperar para ver. O mais famoso dos papas “Leão”, Leão XIII é o papa da chamada “encíclica Rerum Novarum” ou “Das coisas novas” que surge no final do século XIX. Ao contrário do que muitos jornalistas estão dizendo, o papa Leão XIII não era nem marxista nem se aproximou de qualquer luta social da esquerda. Na realidade a encíclica é reconhecida por historiadores com um dos freios que foram colocados aos movimentos revolucionários de trabalhadores da época. A encíclica denuncia claramente os partidos de esquerda como “manipuladores” das “verdadeiras” aspirações dos trabalhadores e, enquanto faz uma crítica lateral ao nível de exploração do capitalismo do século XIX, “Rerum Novarum” serviu para arregimentar o conservadorismo católico no mundo todo, criando uma espécie de discurso-rede-de-pesca que captava lideranças de trabalhadores e os afastava dos caminhos da revolução ou da transformação.
Donald Trump já saudou o novo papa e os jornalistas apostam numa “continuidade” das políticas de Francisco, entendendo erroneamente Leão XIII como “inaugurador da doutrina social da Igreja”, retirando isso, provavelmente, da wikipedia. Não nos enganemos, Provost se vê como defensor da Igreja, um guerreiro num combate que parece ser ou contra a indignação das vítimas de violência sexual ou contra o papel social dos partidos de esquerda e suas denúncias de exploração. Há, claro, que se esperar um pouco para a encíclica de Leão XIV, mas me parece claro que o conservadorismo voltou à terra do túmulo de Pedro. E isso não é bom.
Fernando Horta é historiador
Uma resposta
O que não foi bom para a Igreja foi a contemporização que o papado de Francisco fez com movimentos políticos ateus e notoriamente anticristãos. É natural que a esquerda internacional se sinta órfã e com as portas fechadas para que não possa dar continuidade ao processo de aparelhamento da Igreja com a adoção de pseudo-teologias como a “da Libertação”, considerada apóstata, “fumaça de Satanás”, como previu São Paulo VI. Que o Papa Leão XIV siga o exemplo dos Leões que o antecederam.