“A mídia altera o comportamento dos políticos, influencia agendas e molda o pensamento público. Mas tudo mudou com a chegada da internet”, aponta o jornalista Demóstenes Batalha
Confira:
Na faculdade de Jornalismo aprendi uma lição simples e poderosa: a boa comunicação escuta todos os lados. O ideal da imparcialidade é bonito no papel, mas quem vive o mundo real — especialmente no campo político — sabe que as coisas não funcionam tão perfeitamente assim.
É comum ouvirmos que tal emissora ou jornal “puxa” para o lado A ou B. Às vezes, o viés é evidente. Em outras, o veículo apenas faz seu trabalho, ouvindo todas as partes. Mas, em tempos de paixões acirradas — política, futebol, religião — é preciso enxergar além do sentimento e observar quem fala, o que diz e como comunica.
Durante a graduação, conheci teorias que ajudam a entender a força da mídia na formação de opiniões. Uma delas foi a Teoria Hipodérmica, de Harold Lasswell, também conhecida como “teoria da bala mágica”, que compara a comunicação a uma agulha: a mensagem é injetada diretamente no público, sem resistência. Ou seja, o receptor seria passivo, absorvendo tudo sem filtro.
Também estudei Wilson Gomes, autor de A Transformação da Política na Era da Comunicação de Massa, que analisa como a mídia altera o comportamento dos políticos, influencia agendas e molda o pensamento público.
Mas tudo mudou com a chegada da internet.
A lógica do “emissor único” ficou para trás. Hoje, cada usuário é um produtor de conteúdo, dono da sua própria história. Como destaca Donald Miller, as redes sociais oferecem uma estrutura baseada na “jornada do herói” — e é nela que a política moderna se apoia: candidatos se apresentam como protagonistas, e a conexão com o público acontece direto, sem precisar da velha mediação da imprensa.
Porém, essa liberdade tem um preço.
As big techs — Google, Meta, X (ex-Twitter), TikTok e outras — deixaram de ser apenas plataformas e passaram a exercer um poder real sobre a forma como nos informamos. Não é teoria da conspiração: basta lembrar das eleições americanas e da presença dos CEOs dessas empresas em eventos oficiais. Hoje, é possível notar como algoritmos privilegiam certos conteúdos, certos discursos… certos lados.
Estamos diante de um novo tipo de viés — silencioso, invisível, matemático.
Será que agora precisaremos perguntar não só o que está sendo dito, mas também em qual rede social isso está sendo dito? A mensagem, que antes era veiculada com hora marcada, agora viraliza globalmente em segundos. Mas quem garante que ela é verdadeira? Quem decide se ela protege… ou manipula?
A inteligência artificial já está no centro dessa discussão. Em pouco tempo, ela deixará de ser novidade e se tornará passado. O presente está acelerado — e o impacto da tecnologia nas democracias ainda está sendo compreendido.
No fim das contas, fica a pergunta: as big techs são heroínas por democratizarem a comunicação ou vilãs por controlarem silenciosamente o que vemos, ouvimos e acreditamos?
Se todo cidadão pode viver sua própria jornada do herói, qual jornada as big techs estão escrevendo para o mundo?
Demóstenes Batalha é jornalista, estrategista de conteúdo e estudioso das transformações entre tecnologia, política e comunicação
Respostas de 3
Super elucidativo. Sempre desconfio dessa “narrativa” dos heróis da vida moderna.
Liberdade sem responsabilidade é o que vemos nas redes sociais. Uma não deve existir sem a outra, porque, se assim for, teremos o caos instalado na comunicação, como verdadeiramente está, onde a verdade é deixada de lado – muitos defendem que nem mesmo ela exista.
Parabéns, Batalha, pelas provocações necessárias!
Reflexões importantíssimas!
Modular e regulamentar a atuação das big techs e das redes sociais em geral é fundamental para o exercício livre da cidadania e da democracia!