Estreando neste Blogdoeliomar no cast de articulistas o sociólogo Pedro Albuquerque. Um nome que dispensa comentários. Está conosco para apresentar sua visão de Brasil e de Mundo, pois precisamos de gente lúcida ou de cabelos brancos no Jornalismo atual.
Seja bem-vindo, professor!
Com o título “Trump e o paradoxo patriótico”, eis artigo de Pedro Albuquerque, sociólogo, advogado e ex-presidente do Instituto Equatorial de Cultura Contemporânea. “Um dos paradoxos mais desconcertantes dos tempos atuais é o apoio entusiasta às medidas de Trump de movimentos autodenominados patrióticos em países com alta emigração. Países como Hungria, Brasil, Filipinas, El Salvador e partes da Europa Oriental, onde muitos cidadãos emigraram, celebram Trump. Mas como um movimento que se declara patriota pode apoiar a deportação ou a exclusão de sua própria diáspora?”, expõe o articulista.
Confira:
A política imigratória de Donald Trump é um dos pilares de sua administração, marcada por uma retórica anti-imigrante e medidas repressivas sem precedentes. Desde o começo, o foco recai na deportação em massa, na separação de famílias e na perseguição de imigrantes em suas residências, escolas, trabalho, nas ruas e até em locais de lazer, criando um clima de medo e insegurança para comunidades inteiras. Essa postura, alimentada por xenofobia e ansiedade racial, não atinge apenas os imigrantes irregulares, mas também suas famílias, amigos e cidadãos norte-
americanos. Trump utiliza a repressão de forma agressiva, como ao mobilizar a Guarda Nacional, muitas vezes sem o consentimento de governadores, e ao recorrer às forças armadas para reprimir protestos, o que reforça uma militarização da política. Embora Trump não tenha criado o medo, ele o amplificou ao retratar os imigrantes como criminosos e ameaças ao estilo de vida americano, desconsiderando as complexas interconexões econômicas e sociais positivas que os imigrantes trazem para a nação.
Um dos paradoxos mais desconcertantes dos tempos atuais é o apoio entusiasta às medidas de Trump de movimentos autodenominados patrióticos em países com alta emigração. Países como Hungria, Brasil, Filipinas, El Salvador e partes da Europa Oriental, onde muitos cidadãos emigraram, celebram Trump. Mas como um movimento que se declara patriota pode apoiar a deportação ou a exclusão de sua própria diáspora?
A resposta está na ideia de patriotismo seletivo, que valoriza uma versão idealizada da pátria — baseada na pureza cultural, força e ordem — enquanto pouco se importa com os cidadãos mais vulneráveis. É uma postura performática, expressa em bandeiras, slogans e marchas, em que amar a pátria, muitas vezes, significa odiar o “outro”, mesmo que esse “outro” seja um vizinho ou um irmão migrante. E, contraditoriamente, tudo isso é feito em nome de Deus, pátria e família.
O nacionalismo de exclusão mostra sua impotência diante dos desafios da realidade global, marcada por políticas ativas de interdependência, crises migratórias e mudanças climáticas, embora seu apelo emocional permaneça forte. Seja por indiferença, dissonância cognitiva ou ignorância deliberada, essa militância desconsidera que entre os emigrantes também estão amigos, parentes, filhos e filhas que, embora protegidos por sua condição financeira ou legalidade, carregam medos e inseguranças.
Outro aspecto importante é o desprezo pelos mais vulneráveis, pelo drama dos deslocados por guerras e perseguições. Muitas vezes, imigrantes, irregulares ou não, são apontados como responsáveis pelos problemas do país, reforçando uma cultura de culpa e intolerância. Apoiar medidas repressivas degradantes à imigração é uma incongruência que revela o núcleo anti-humanista dessa ideologia: menos amor pela pátria e mais idolatria ao líder autoritário e punitivo que, alçado ao poder pelo voto, tenta atuar como um autocrata, golpeando a democracia.
Para entender melhor esse paradoxo, é útil refletir sobre o conceito de pátria. Em 1990, o poeta cubano Alberto Yañez escreveu uma “Declaração de Amor” ao Brasil 2, poema do qual extraio um trecho para nossa reflexão:
“É estranho viver a terça parte de um século / Supondo que o conceito Pátria / Se encerra em hinos, bandeiras, escudos / E não salta mais além / À caça de outras paisagens / Inusitados irmãos /
Novas palpitações.” Essa provocação nos convida a pensar que a verdadeira pátria vai além de símbolos fixos — hinos, bandeiras, escudos — que, embora importantes como elos de coesão, muitas vezes representam, a depender dos objetivos e da forma como são usados, uma ideia de pátria estática, excludente e cheia de muros.
A verdadeira pátria “salta além” desses símbolos, buscando “outras paisagens” e “irmãos incomuns”. É uma ideia que convida a sentir com mais intensidade, a perceber que um país não é só chão ou símbolos, mas movimento, corpo, afeto. É o que carregamos em nós, as histórias que contamos, as mãos que ajudam, os laços que criamos. Pátria, é a utopia de si mesmo, a que há de ser, como formulava Darcy Ribeiro. É o que levamos conosco quando não temos mais onde ficar. É o corpo que carrega saudade, é o idioma que se dobra ao afeto.
A pátria de verdade está também naqueles que partem e chegam, naqueles que inventam novas formas de pertencer. Está na avó que envia remessas do exterior, no enfermeiro que cuida de idosos em outro país, na cozinheira que prepara feijoada no Bronx, no jovem em intercâmbio em Toronto, no cubano que vende mojito em Miami para enviar dólar à família em Havana, na jovem que fez doutorado em Michigan e se tornou professora em Oakland, no chileno que retomou a liberdade e se fez poeta em Montreal, naquele faz horas extras no trabalho em Nova York para garantir a casa dos pais em Governador Valadares, na adolescente que faz o ensino médio em Portugal, nos cientistas que buscam melhores condições de pesquisa lá fora.
Pátria foi o que os brasileiros exilados levaram no peito pelo mundo afora quando o Estado (o único da América Latina) lhes negou o passaporte, e iluminou um casal a anunciar, de Ottawa(CA), em 1977, à família no Ceará e em Pernambuco, pelo telegrama da Western: “nasceu Bergson, brasileiríssimo, nordestino, cabra-da-peste”.
A verdadeira pátria é aquela que nos torna capazes de reconhecer o outro como parte de nós, é uma de voz viva, que respira, que pulsa, que tropeça e que caminha junto. Mais que parafrasear outro poeta, clamo que a pátria, se é alegria, que seja de todos; se é dor, que de todos também seja; e de todos o seja, se é paraíso! Pátria é verbo, não trincheira.
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( 1 ) A poesia “Declaração de Amor” foi escrita em Fortaleza e recitada pelo autor na sede do Instituto Equatorial de Cultura Contemporânea, em Fortaleza, 1990.
*Pedro Albuquerque
Sociólogo, advogado e (OAB CE16224) e ex-presidente do Instituto Equatorial de Cultura Contemporânea.