“Estágio: os riscos do PL 4477/2024” – Por Gérson Marques

Gérson Marques, professor e subprocurador-geral do Trabalho. Foto: Divulgação

Com o título “Estágio: os riscos do PL 4477/2024”, eis artigo de Gérson Marques de Lima, subprocurador-geral do Trabalho, professor-doutor na Universidade Federal do Ceará e coordenador do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe). “Sem nenhuma supervisão, sem fiscalização, sem garantia de salário mínimo, sem sindicatos (sim, os estagiários não possuem sindicatos), sem proteção trabalhista, sujeitos apenas às determinações empresariais ou, mesmo, de gestores públicos, esses estagiários serão presas fáceis dos males da precarização, inclusive dos assédios (moral, sexual, eleitoral)”, expõe o articulista.

Confira:

A Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008) passa por algumas propostas de alteração na Câmara de Deputados. É o que ocorre com o Projeto de Lei (PL) nº 1813/2023, do deputado Jonas Donizette (PSB/SP), de 12.03.2023, que visa a alterar o artigo 12 da atual Lei de Estágio para fixar valores mínimos para bolsa ou outra forma de contraprestação concedida ao estagiário. O PL ainda se encontra em tramitação, a passos lentos.

Enquanto isso, outro projeto ganha corpo na Câmara dos Deputados. Trata-se do PL nº 4477/2024, da deputada Ely Santos (Republicanos/SP), que permite a contratação de recém-formados (com até dois anos de conclusão do curso) como estagiários. A proposta dispensa, nos casos de contratação de recém-formados, a obrigatoriedade de supervisão do estágio por professor ou representante da empresa. Este PL é encampado pelo deputado Romero Rodrigues (Podemos-PB).

Esta proposta legislativa tramita em caráter conclusivo e será analisada pelas comissões de Trabalho; Educação; e Constituição e Justiça e de Cidadania. Entre as razões apresentadas no PL está o número de desempregados entre recém-formados. Assim, a medida teria o objetivo de propiciar o ingresso dessas pessoas no mercado de trabalho.

No entanto, o PL 4477/2024 preocupa porque cria uma forma de estágio que foge dos propósitos deste instituto, que é o educativo e que tem, por essência, a supervisão escolar e o acompanhamento, na cedente, de profissional da área, que orientará o(a) estagiário(a). Estágio em que a relação não é triangular nem possui caráter orientativo, não é estágio, é emprego disfarçado de forma precarizada de trabalho.

De fato, essa nova modalidade de estágio não prevê salário-mínimo, previdência social etc. A cedente pagará simples "bolsa", que não possui natureza salarial. Não pagará férias, 13º, não recolherá FGTS etc. É mais uma maneira de precarizar a relação de trabalho, contrariando os ideais estabelecidos na Constituição. A rigor, ter-se-á uma relação de emprego em que o patrão poderá contratar trabalhadores mediante pagamento de bolsas inferiores ao salário mínimo.

Tal projeto não contribui para a empregabilidade e, na verdade, é desnecessário, pois já existe legislação sobre aprendizagem, contratações temporárias e relações autônomas de trabalho. Viola a Constituição a norma que permite empresas contratarem trabalhadores sem vínculo de emprego, sem ser autônomos, com pagamento de meras “bolsas”, sem nenhuma finalidade educativa.

Sem nenhuma supervisão, sem fiscalização, sem garantia de salário mínimo, sem sindicatos (sim, os estagiários não possuem sindicatos), sem proteção trabalhista, sujeitos apenas às determinações empresariais ou, mesmo, de gestores públicos, esses estagiários serão presas fáceis dos males da precarização, inclusive dos assédios (moral, sexual, eleitoral).

Caso seja aprovada da forma como proposta, a sistemática será pior do que a terceirização, na qual o trabalhador possui, pelo menos, vínculo de emprego reconhecido com a empresa terceirizada.

O PL 4477/2024 caracteriza como recém-formados aqueles graduados há até dois anos e que não tenham sido absorvidos pelo mercado de trabalho. Portanto, poderão ser contratados como estagiários, diretamente pela empresa (ou Administração Pública, ou profissional liberal), sem vínculo empregatício e sem supervisão de ninguém. Enfim, não é estágio. E, diante desta “opção”, quem precisará contratar outro tipo de trabalhador? Não obstante os bons propósitos elencados no PL 4477/2024, referentes à empregabilidade, ele padece de fragilidades constitucionais e sociais que merecem um repensar e uma ampla discussão para que a possível “solução” não estabeleça novos problemas.

*Gérson Marques de Lima

Subprocurador-geral do Trabalho, professor-doutor na Universidade Federal do Ceará e coordenador do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe).

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