Com o título “Guerra de narrativas e morte da verdade”, eis artigo Valdélio Muniz, jornalista, analista judiciário, mestre em Direito Privado e professor de Direito. “Chegaria a ser risível, se não fosse tão patético, assistir em todos os telejornais à lamentação de parlamentares (não à toa escolhidos, quase sempre, das hostes do partido do inominável ex-presidente) pela decisão do governo de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer cumprir o juramento de posse de defender a Constituição do País que, entre outras medidas, confere ao Executivo o poder de editar decretos dentro de limites nem de longe ultrapassados”, expõe o articulista.
Confira:
Toda crise, seja ela política, social ou econômica, tem pelo menos um ponto positivo: deixa claro aos envolvidos quem são de fato seus verdadeiros aliados e quem apenas tira as vantagens que lhe
são convenientes se fingindo de apoiador, quem usa de sinceridade e quem não tem limites para manipular os fatos em favor de suas versões e de seus interesses atingidos. Com a atual e falsa
polêmica envolvendo o Governo Federal e o Congresso Nacional não é diferente.
De um lado, um governo ainda com uma comunicação extremamente frágil com a sociedade, mesmo quando está certo em seus atos. De outro, um Legislativo (cujo nível de composição apenas
tem piorado a cada quatro anos) se fazendo de vítima após ter agido como algoz e, para isso, contando com apoio explícito da mídia e de um exército de robôs patrocinado pela direita, por óbvio, interessada em ver o circo pegar fogo.
Chegaria a ser risível, se não fosse tão patético, assistir em todos os telejornais à lamentação de parlamentares (não à toa escolhidos, quase sempre, das hostes do partido do inominável ex-presidente) pela decisão do governo de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer cumprir o juramento de posse de defender a Constituição do País que, entre outras medidas, confere ao Executivo o poder de editar decretos dentro de limites nem de longe ultrapassados.
Como se não bastasse, alegam falta de disposição do Executivo para o diálogo (que, no dicionário deles, significa mera rendição a seus caprichos) depois de já terem votado como bem quiseram,
exacerbando, eles sim, sua competência, como se não tivéssemos assistindo há meses a paciência de monge tibetano do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e de seus auxiliares em discutir alternativas de enfrentamento à crise fiscal e ao arcabouço tributário injusto que persiste no Brasil. Apontam suposto “desprezo” pelo posicionamento da maioria do Congresso, como se fossem os parlamentares os únicos eleitos pela população e detentores iluminados da vontade popular.
Incrivelmente (mas não surpreendentemente), empregam todas estas narrativas legitimadas por economistas do establishment escolhidos igualmente de propósito pela grande mídia para vociferar ainda mais contra o lado que apenas tenta fazer o que historicamente a elite conservadora (política e economicamente) resiste ferozmente: repartir com a sociedade uma fatia maior de sua imensa riqueza com elevação de alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Não custa lembrar que até hoje o Congresso Nacional tem resistido, não à toa, a regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, previsto desde a promulgação da atual Constituição.
Parlamentares claramente insatisfeitos com a demora na liberação de recursos orçamentários de suas emendas, mesmo se dizendo “independentes” ou apoiadores do Governo, vez que seus partidos fizeram questão de receber fatias do poder político representadas por Ministérios, se unem a legendas declaradamente oposicionistas (coerência manda lembrança!) para pressionar aquele que detém a chave do cofre e, sem o mínimo de pudor, tentam atrair a simpatia popular distorcendo a realidade com o discurso simpático de que são contrários ao aumento da carga tributária no País.
Francamente: o que se vê é uma subestimação lamentável da inteligência alheia quando, ao mesmo tempo em que resistem ferozmente a uma elevação de alíquota de IOF que afetará apenas um
grupo muito pequeno de contribuintes (donos de expressiva riqueza), aprovam na calada da noite a elevação das contas de energia que afetam a um universo muito maior de cidadãos. Ainda como parte da hipócrita argumentação antigoverno e oportunista, alegam que não há esforços para contenção de gastos (sem se preocuparem, honestamente, em verificar a qualidade dos
investimentos em políticas sociais que, no governo passado, tinham sido abandonadas e no que isso tem resultado em relação aos indicadores econômicos, sociais e de desenvolvimento humano do País) e não se dispõem a dar exemplo abrindo mão da liberação de parte de suas emendas (que sejam elas próprias, então, objeto de contenção de gastos) nem se dão conta do quão inoportuna é a ampliação do número de parlamentares neste contexto de necessária redução de despesas. Ou seja: recorrem à batida máxima do “faça o que eu digo, mas não faça o que faço”.
A história recente tem registrado crises artificiais (legitimadas por diversos “aparelhos ideológicos”, pretensamente independentes, mas política e economicamente interessados) criadas com propósito de maquear descontentamentos particulares (como na trama golpista que usou de suposta “pedalada fiscal”, tardiamente reconhecida como inexistente por órgãos técnicos como o Tribunal de Contas da União-TCU, que levou ao impeachment a presidente Dilma Rousseff).
Afinal, para alguns que se elegem com apoio de milhões de trabalhadores, mas representam, verdadeiramente, os interesses do capital que o financia e o alimenta, interessa impor sua vontade de
governar o País indiretamente (sem para tanto se lançar candidato a presidente da República). De tudo isso, uma certeza: nada mudará enquanto os eleitores não atribuírem o devido valor à eleição legislativa e persistirem no erro de crer que a eleição presidencial é que basta para encontrar um salvador da pátria.
*Valdélio Muniz
Jornalista, analista judiciário, mestre em Direito Privado e professor de Direito.