“O mito venceu o homem (uma homenagem a Tiquinho, herói do Vozão)” – Por Nicolau Araújo

Nicolau Araújo é jornalista

“Mas ali estava Tiquinho, agora motivo de piadas e brincadeiras de mau gosto entre aqueles que até pouco tempo o idolatravam”, aponta o jornalista Nicolau Araújo, em homenagem aos 16 anos da morte de Tiquinho, o herói do tetra do Vozão

Confira:

Era início de 2006 e o Ceará promovia um jogo-treino no sábado à tarde, no estádio Carlos de Alencar Pinto, em Porangabuçu.

A partida apresentaria três ou quatro atletas que haviam sido contratados para as disputas do Campeonato Estadual daquele ano. O adversário da equipe alvinegra não recordo, tampouco o nome de alguma das atrações.

Mas não há como esquecer aquele homem de pele escura, franzino, palavras desencontradas, mas ainda perspicaz. Ao conferir as minhas anotações em um bloco, ele não teve dúvidas:

“Você é repórter! É, sim, você é repórter. Sabe quem eu sou”?

Antes mesmo de encerrar os últimos rabiscos sobre uma jogada que poderia ter resultado em gol, ele completou:

“Tiquinho, rapaz! Eu sou o Tiquinho! O herói do tetra! Tá me reconhecendo, não”?

Se não tivesse sido testemunha de algumas partidas do então ídolo alvinegro, poderia jurar que o sujeito não passaria de mais um entre os inúmeros torcedores que exageravam nas latinhas de cerveja e meiotas.

Mas ali estava Tiquinho, agora motivo de piadas e brincadeiras de mau gosto entre aqueles que até pouco tempo o idolatravam.

A oportunidade não poderia escapar. E aproveitaria a chance mais na condição de curioso do que propriamente de repórter.

“Mas você nem está anotando o que eu estou falando”, reclamou Tiquinho, diante da minha aparente indiferença.

Não foi fácil explicar que eu e mais da metade da torcida presente ao estádio sabíamos de cor como aconteceu o gol do tetra, mesmo porque ele próprio emendava uma narração atrás da outra.

“Tiquinho, diz aí, você ainda ouve a vibração da torcida quando vai dormir?”, interrompi.

“Estou ouvindo agora”, afirmou. “Ouço a torcida a todo instante (sussurrou o barulho da multidão). Viu, é assim que acontece na minha cabeça”, revelou.

Naquele instante entendi que a euforia do tetra agora lhe era assombração. Aprisionou-lhe a alma na eternidade de alguns segundos.

Prometi citar na matéria a sua presença no estádio. Ele agradeceu e saiu contando que amanhã estaria em uma página de jornal. Na edição, o espaço era reduzido. E o que não fosse imprescindível no momento teria que ser cortado. E Tiquinho deu lugar a jogadores que hoje nem recordo mais.

Assim é a vida…

Nicolau Araújo é jornalista pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido

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