“Fazer do Brasil um território livre da praga do analfabetismo e transformar todos os indivíduos em cidadãos, em sujeitos de direitos, é um trabalho árduo”, aponta o sociólogo e cientista político Emir Sader
Confira:
Apesar de o Brasil ter tido, com os governos do PT, ao longo deste século, avanços significativos nas políticas sociais, segue sendo o país mais desigual do continente mais desigual do mundo. Para superar essa triste circunstância, o país teria que viver um novo período prolongado de governos antineoliberais.
Entre as dramáticas situações que o país ainda vive, está a existência de entre 10 e 13 milhões de analfabetos, além dos outros milhões de analfabetos funcionais — aqueles que aprenderam a ler, mas que, pela falta de prática, são novamente incapazes de ler e compreender um texto escrito.
Trata-se de uma proporção significativa de brasileiros que não têm acesso à leitura de textos básicos que deveriam orientar sua vida e que estão marginalizados de todas as formas de cultura que o país produz.
Isto, no país de Paulo Freire — responsável, entre tantas outras contribuições fundamentais, por um método de alfabetização que deveria ter feito com que o Brasil se livrasse dessa lacra.
O analfabeto é um marginal, um excluído, um não cidadão, no sentido de sujeito de direitos. Ele não é sujeito de direitos, não é um cidadão. Vive não somente na miséria material, mas também na exclusão dos direitos fundamentais que o país conquistou para a população.
Quando saímos da ditadura militar para a democracia, passamos a ser considerados um país democrático. Mas trata-se de uma democracia formal, consignada na Constituição, em que todos são iguais diante da lei. No entanto, o analfabeto está excluído desses direitos conquistados na luta democrática.
Que democracia é essa em que milhões de pessoas não têm capacidade de acesso à leitura?
O governo Lula 4 deveria ter, como um dos seus grandes objetivos, acabar com o analfabetismo. Mobilizar a grande quantidade de estudantes e trabalhadores para uma campanha de superação do analfabetismo no Brasil ao longo deste mandato.
Não é uma tarefa fácil. Teria que começar pela localização de onde estão os analfabetos. Sabe-se que uma proporção significativa está entre os idosos, aqueles que já viveram grande parte de sua vida sem ter acesso à leitura. Difícil é a tarefa de convencê-los das vantagens de se alfabetizar, conseguir dar-lhes o tempo necessário ao exercício do processo de alfabetização e adaptar os métodos de ensino ao seu mundo e ao seu vocabulário.
Em suma, fazer do Brasil um território livre da praga do analfabetismo e transformar todos os indivíduos em cidadãos, em sujeitos de direitos, é um trabalho difícil e árduo, que exige uma decisão e uma vontade política que o tornem prioridade do próximo governo Lula. Isso demanda uma mobilização de pessoas e de recursos mais importante do que jamais se fez no Brasil em termos educacionais.
Pode-se contar, para essa tarefa, com a experiência acumulada pelo MST, que já alfabetizou, no campo brasileiro, mais do que todos os programas governamentais. Além da experiência e da capacidade adquirida por seus militantes, que poderiam se incorporar a um projeto nacional tão grande quanto esse, os militantes do MST poderiam trabalhar formando os milhões de alfabetizadores de que o Brasil necessita.
Chega a ser uma vergonha que o país de Paulo Freire ainda tenha milhões de analfabetos. Até quando conviveremos com esse paradoxo? Podemos aproveitar o próximo mandato de Lula para fazer do Brasil um território livre do analfabetismo!
Emir Sader é sociólogo, cientista político e colunista do Brasil 247