“A soberania das leis: quando o espelho não mente” – Por Maurício Filizola

Maurício Filizola é empresário e diretor do Sincofarma/CE

“Soberania não é fazer o que se quer. É fazer o que é certo, mesmo quando ninguém está olhando”, aponta o empresário Mauricio Filizola

Confira:

Não sou profissional do Direito, mas trago aqui algumas ponderações. Vivemos tempos em que palavras como “soberania” e “independência” se transformaram em escudos de conveniência. A cada noticiário, ouvimos gritos inflamados de que “o Judiciário é soberano”, de que “os Estados Unidos estão tentando mandar no nosso país”, como se a crítica externa fosse uma afronta à honra nacional. Mas há uma diferença entre ferir a soberania de um Estado e apontar que ele não está respeitando as próprias regras.

Vamos por partes: soberania é atributo do Estado, não de seus poderes isoladamente. O Estado é soberano porque detém o poder político sobre seu território e sua população. Mas dentro deste Estado soberano, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são apenas peças — fundamentais, sim, mas jamais absolutas.

Imaginemos um jogo de xadrez: o rei é símbolo da soberania, mas ele jamais move-se sozinho. Há regras, limites e, principalmente, um tabuleiro em que todos devem jogar conforme as mesmas normas. Quando uma peça — seja torre, bispo ou cavalo — tenta agir como se fosse o dono do jogo, o caos se instala. O que mantém o equilíbrio não é a peça em si, mas o respeito às regras que regem o jogo.

No Brasil, as leis não estão escondidas em bibliotecas herméticas. Estão expostas, claras, no site do Planalto, acessíveis a qualquer cidadão ou nação que deseje ler. Portanto, quando um observador estrangeiro aponta um descumprimento legal, ele não está desrespeitando nossa soberania — está, na verdade, nos confrontando com um espelho. E o espelho, por mais desconfortável que seja, não mente.

De acordo com o Código de Processo Penal (CPP), especificamente o artigo 46, o prazo para o Ministério Público — e por extensão a Procuradoria‑Geral da República (PGR) — oferecer denúncia é o seguinte:

5 (cinco) dias, se o indiciado estiver preso;
15 (quinze) dias, se o indiciado estiver solto ou afiançado. Logo o que aconteceu não é apenas uma falha burocrática: é um sintoma de algo mais grave. Quando um prazo legal é esticado ao bel-prazer das vontades, não é a soberania do Estado que está sendo defendida. É a tentativa de blindagem de um poder que, temporariamente, esqueceu seu lugar no tabuleiro.

O direito é que é soberano. Ele é o fio invisível que costura os três poderes, impedindo que se devorem mutuamente. A independência dos poderes não significa liberdade para ignorar a lei. Significa a responsabilidade de atuar dentro dos limites que a lei impõe. É o direito que confere legitimidade. E quando ele é rasgado, a autoridade se transforma em autoritarismo.

Nosso pacto social é como uma casa construída sobre alicerces legais. Quando um poder decide remover, por conveniência, uma coluna dessa estrutura, toda a casa corre o risco de desabar. E aí não será o olhar estrangeiro que nos humilhará — será o nosso próprio reflexo, ao percebermos que falhamos em proteger a integridade das nossas próprias regras.

Se queremos respeito internacional, é preciso primeiro respeitar nossas próprias leis. A soberania verdadeira não se grita — se constrói com integridade.

No fim das contas, soberania não é fazer o que se quer. É fazer o que é certo, mesmo quando ninguém está olhando.

Mauricio Filizola é empresário e diretor do Sincofarma

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