Com o titulo “O vai e vem do processo no foro especial”, eis artigo de Djalma Pinto, advogado, mestre em Ciência Política, escritor e ex-procurador-geral do estado do Ceará. “Até hoje, é certo, tem-se uma indecisão sobre o órgão competente para julgar o agente político, cujo processo não for concluído durante sua permanência no mandato”, expõe o articulista.
Confira:
Uma característica marcante dos processos envolvendo agentes políticos é a sua eternização sem punição alguma, conforme antiga constatação de Pedro Simon, senador pelo Rio Grande do Sul por quatro mandatos. Até hoje, é certo, tem-se uma indecisão sobre o órgão competente para julgar o agente político, cujo processo não for concluído durante sua permanência no mandato. A Súmula nº 394, que vigorou de 1964 até 1999, continha o seguinte verbete: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.
Depois de mais de três décadas de vigência, essa Súmula 394 foi revogada, sendo os processos devolvidos da Suprema Corte para a primeira instância, sedimentando uma forte sensação de impunidade no País.
Um caso emblemático, que confirma a ponderação do Senador Pedro Simon de que processo envolvendo detentores do poder não é para ter conclusão, refere-se à tentativa de homicídio, praticada em 1993, por parte de Ronaldo Cunha Lima, então Governador da Paraíba, contra Tarcísio Buriti.
A Assembleia Legislativa negou, por 23 votos contra dois, a autorização para que fosse este processado no Superior Tribunal de Justiça. Como consequência desse impedimento, somente após o término do seu mandato, a denúncia oferecida pelo Ministério Público pôde ser recebida no Primeiro Tribunal do Júri de João Pessoa.
Eleito o acusado Senador, em 1994, o processo foi encaminhado à Corte Suprema, nela permanecendo após a sua posterior eleição para o cargo de Deputado Federal. Pouco antes do julgamento no STF, em 2007, ocorreu a renúncia do réu.
O processo foi então devolvido para a primeira instância. Em 07 de julho de 2012, morreu o acusado sem julgamento algum e com o seu direito de ser votado preservado como se ele nada de grave tivesse praticado.
Em 2001, a EC nº 35 dispensou a autorização para que os políticos fossem processados. Foi um avanço. Desde a Constituição de 1891, exigia-se a permissão do legislativo para o processo e julgamento dos políticos. A Constituição Americana escrita em 1787, que inspirou os constituintes brasileiros de 1891, não prevê foro especial para julgamento de agente político que pratica crime comum. Os congressistas, que ali praticam esse crime, são julgados pelo júri popular como qualquer cidadão.
Em 2018, o STF firmou o entendimento de que a Corte só seria competente para julgar processos criminais se os fatos imputados tivessem ocorrido durante o mandato e tivessem relação com o exercício do cargo. Além disso, com o término do exercício das funções, o processo deveria ser encaminhado para a primeira instância, ressalvando os casos em que já concluída a instrução processual, sendo, nessa hipótese, mantida a competência da Corte.
Em 2025, porém, o entendimento foi modificado. Prevaleceu a conclusão de que o foro especial para julgamento de crimes funcionais se mantém, mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal comece depois do fim do mandato.
A PEC nº 10/2013, já aprovada pelo Senado, extingue o foro especial por prerrogativa de função nos crimes comuns. Segundo o seu autor, o Senador Álvaro Dias, o foro privilegiado é “um instituto de impunidade”. Essa PEC foi aprovada em 2017, na Comissão Especial da Câmara. Aguarda, ainda, apreciação do Plenário.
*Djalma Pinto
Advogado, Mestre em Ciência Política e autor de diversos livros entre os quais “Ética na Política”, “Distorções do Poder”, “Educação para a Cidadania” e “Cidade da Juventude”.