“Ataque de Ciro a Janaína atesta tendência machista e desfavorece tese de ‘Ceará em emergência'” – Por Carlos Holanda

Carlos Holanda é jornalista, com experiência na Política. Foto: Arquivo Pessoal.

“Ataque rebaixado à prefeita atesta inclinação machista e desqualifica o debate, gerando a falsa ideia de que um Estado com múltiplas questões tem tempo a perder com boataria de traço carola e irrelevante”, aponta o jornalista Carlos Holanda

Confira:

Ciro Gomes (de saída do PDT) diz que o Ceará está em apuros sob o comando político atual do PT de Lula, Camilo e Elmano. O argumento é possível de ser sustentado, principalmente por uma voz bem articulada como a dele. Uma premissa para que a ideia ganhe tração na consciência do eleitor é de que todo tempo é pouco e precioso para discutir, como prioridade zero, questões do Ceará. A desconstrução de adversários é parte legítima do enfrentamento político. Não da forma que Ciro Gomes fez novamente com a prefeita de Crateús, Janaina Farias (PT). Ciro disputou nove eleições. A primeira em 1982. Elegeu-se deputado estadual. A última em 2022. Tentou ser presidente. Aparentemente, vai para a décima eleição em 2026. Indica disposição de voltar a disputar o Governo do Ceará após 35 anos. Para muitos ouvidos, suas falas já são de pré-candidato.

Na corrida presidencial de 2002, o então candidato do PPS disse que a função mais importante de sua então companheira era dormir com ele. O agravante do episódio é que a companheira de então era Patrícia Pillar, atriz, pessoa conhecida. Tentou-se desarmar a bomba. Patrícia entrou em campo para defender o esposo. Ciro pediu desculpas reiteradas vezes e ressaltou que a reprodução do machismo se dá no inconsciente, não representando um sinal concreto de concordância com a opressão do feminino pelo masculino.

Naquele ano, Ciro chegou a somar 28% das intenções de voto conforme a pesquisa Datafolha divulgada em 30 de julho de 2002. Se aproximava de Lula. O erro de Ciro foi explorado pela campanha de José Serra (PSDB), que avançou para a segunda parte da campanha. A proposta interpretada por Ciro Gomes, comumente chamada de “terceira via” — termo um tanto reducionista — nunca chegou tão perto de dar certo. O principal projeto político da vida do cearense naufragou por um episódio com as marcas do machismo.

A concepção de enfrentamento político que abre este texto, de colocar o que importa em primeiro plano, é o oposto do que Ciro faz ao atacar Janaína Farias (PT), prefeita de Crateús, para atingir o ministro Camilo Santana (Educação). Ciro diz que os estragos promovidos pelo atual governo ocorrem em várias instâncias e são sem precedentes. Já denunciou corrupção na estrutura do governo, precisamente na Secretaria de Obras Públicas (SOP). Sua atuação na oposição ao governo Elmano de Freitas (PT) prova que existem questões mais relevantes a serem trabalhadas, na forma de crítica política ou de denúncia. Uma característica da relevância é o interesse público. A fala de Ciro é irrelevante para o interesse público e tem claro conteúdo machista. Por quê?

Ao dizer que uma prefeita é intermediadora do acesso de um homem a prostitutas, Ciro dirige um insulto sexualizado a uma mulher. Associar uma mulher a essa atividade reforça estigmas de natureza sexual e moral, utilizados historicamente em desfavor de mulheres. Homens raramente são alvos de ataques políticos ligados à sexualidade. Está aqui um tratamento desigual baseado no gênero. Em outras palavras, estão aqui as linhas do machismo.

Janaína não está no centro do debate político-eleitoral cearense, restando-lhe como marcas mais definidoras de sua identidade política a natureza de mulher, a sua filiação partidária e a presença no grupo de pessoas que têm a confiança do ministro Camilo Santana (PT). Grupo composto majoritariamente por homens, diga-se.

Essa parcela não é alvo de agressões desse perfil.

O ex-ministro é intelectualmente ciente das complexidades relacionadas ao machismo, da desigualdade em vários níveis entre homens e mulheres. Deve saber que a questão tem traços culturais, sociais e históricos. Mesmo assim, agride Janaína pela segunda vez e da mesma forma. Quando a temperatura sobe, a consciência humana tende a escolher as armas retóricas que estão mais acessíveis dentro do próprio vocabulário. Ciro inferiorizou Janaína da mesma maneira duas vezes, em situações de relativa normalidade.

Em 2024, foi em entrevista para uma rádio. Há poucos dias, reincidiu na festa de aniversário do ex-prefeito Roberto Cláudio, momento com ares de ato político, caracterizado por falas mais enfáticas. Na normalidade de uma entrevista para uma rádio, Ciro optou pela fala machista. Na relativa fervura de um ato político, Ciro fez a mesma opção.

A resposta previsível de que reconheceu méritos femininos nas suas experiências de prefeito, governador e ministro perde o peso que poderia ter, sobretudo na hora de se defender, diante da opção que faz por este tipo de ataque. Ciro teria condições de expurgar esses ingredientes do caldeirão de suas frases. Me parece ser uma questão de vontade.

Carlos Holanda é jornalista, esteve na redação do O POVO de 2017 a 2024, foi repórter especial de Política e assinou coluna sobre a desinformação e suas repercussões no debate público

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