Com o título “Mandato parlamentar é cheque em branco?”, eis artigo de Valdélio Muniz , jornalista, analista judiciário (TRT-7ª Região), mestre em Direito Privado (Uni7), professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Faculdade Dom Adélio Tomasin (Fadat) e membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC). “A ideia que tais discussões promovidas pelo Parlamento (com viés claro de legislar em causa própria) transmitem à sociedade é de que, na cabeça dos legisladores, parece existir a convicção de que receberam dos seus eleitores um cheque em branco e, mais do que isso, que não precisam dar qualquer satisfação sobre seus posicionamentos”, expõe o articulista.
Confira:
Nos primeiros semestres do curso de Direito, aprende-se a relevante diferença entrelegalidade e legitimidade. Trata-se da necessidade de compreender que nem tudo que se faz “conforme a lei” atende, efetivamente, aos anseios da maioria da sociedade. Para grande parte da atual composição do Congresso Nacional brasileiro, porém, isso pouco importa. Exemplos mais recentes são claros e diversos. Podem ser encontrados nas tentativas de modificar a Lei da Ficha Limpa (em dessintonia com seus propósitos iniciais), dificultar a investigação de parlamentares (como se a conquista de um mandato no Legislativo represente a obtenção de um salvo-conduto popular irrestrito), de trazer para o Parlamento o poder de dirigir, a seu bel prazer, até mesmo os atos do presidente do Banco Central como condutor importante da política monetária do País (mitigando a necessária independência/autonomia outrora aprovada pelo próprio Legislativo) e, por fim, a malfadada
discussão sobre anistia.
A ideia que tais discussões promovidas pelo Parlamento (com viés claro de legislar em causa própria) transmitem à sociedade é de que, na cabeça dos legisladores, parece existir a convicção de que receberam dos seus eleitores um cheque em branco e, mais do que isso, que não precisam dar qualquer satisfação sobre seus posicionamentos. Some-se a isso uma pretensa certeza de que, até a próxima eleição, seus eleitores sequer lembrarão (ou mesmo nem saberão) do que efetivamente eles fizeram no verão (ops, no mandato) passado.
Pior de tudo é ter que admitir (reconhecer) que, de certo modo, eles não estão tão equivocados. A grande maioria dos eleitores talvez nem lembre ao certo em quem votou na última eleição nacional para deputado federal ou estadual (exceto seus próprios cabos eleitorais e uma meia dúzia de eleitores mais esclarecidos). Pior ainda esperar que tenham fiscalizado com o rigor necessário os atos praticados pelos representantes que escolheram. O cenário, neste campo, é entristecedor. Muitos eleitores não sabem com propriedade sequer o verdadeiro papel e a importância que tem a escolha para o Legislativo. No embalo da relevância exagerada que se dá a candidatos ao Poder Executivo e, quando muito, ao Senado (cargos majoritários), abre-se um cenário tranquilo para quem faz das campanhas proporcionais um desfile de quase “vereadores de luxo”, autoencarregados de trazer emendas para obras a serem tocadas em suas quase capitanias hereditárias (ou feudos eleitorais), entre outros pequenos favores individuais suficientes para assegurar (re)eleições sucessivas e ilimitadas (próprias ou dos seus apadrinhados).
Enquanto a mídia e os eleitores não despertarem para a necessidade de difundir com mais vigor e assimilar uma já tardia consciência sobre o papel-chave que tem o Legislativo (em todos os níveis: federal, estadual e municipal), que não deveria ser acobertar as ações (e omissões) do Executivo a que estão simetricamente associados, nem tentar inviabilizar gestões que não cedem a seus caprichos, repetiremos o erro histórico de acreditar que um candidato à Presidência, a governador ou a prefeito será o bastante para salvar um país, um Estado ou um Município. E que, se o eleito para o Executivo não assim o fizer, a culpa será sempre toda sua. Mesmo que, em muitos casos, os verdadeiros culpados “morem” ao lado da sede do Governo e se aproveitem de suas prerrogativas enquanto lhes é conveniente.
PS – Para os(as) leitores(as) mais jovens, que, longe de qualquer subestimação de inteligência, talvez não saibam ao certo o que é um cheque, dada sua quase extinção nos últimos tempos em que outros meios tecnologicamente mais modernos têm tomado espaço (como transferências eletrônicas, pix etc), trata-se de uma “ordem de pagamento à vista” durante muito tempo firmada num pedaço de papel em que o titular de uma conta bancária nele indicada, ao assiná-lo, autorizava a retirada do valor informado no documento, com o devido desconto (dedução) em seu saldo. O cheque em branco, por sua vez, era aquele que, dado o grau de confiança que se tinha no destinatário, era entregue assinado, mas sem conter já expresso o valor cujo saque estaria previamente autorizado pelo dono da conta e cujo preenchimento era atribuído (sob grave risco) àquele que o recebia.
*Valdélio Muniz
Jornalista, analista judiciário (TRT-7ª Região), mestre em Direito Privado (Uni7), professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Faculdade Dom Adélio Tomasin (Fadat) e membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC).