“No Centro da Cidade” – Por Totonho Laprovítera

Totonho Laprovítera, o contador de histórias. Foto: Arquivo Pessoal.

Com o título “No Centro da Cidade”, eis mais um conto da lavra de Totonho Laprovitera, arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.

“Ah, memória, inimiga mortal do meu repouso!” (Miguel de Cervantes)

Confira:

No tempo em que se vendia vassoura e espanador na porta de casa e os cinemas eram vigiados pelos atentos lanterninhas. No tempo em que se ia ao aeroporto aos domingos para ver os aviões decolarem e era moda tomar sorvete e andar de escada rolante na Lobrás.

Ah, a primeira escada rolante de Fortaleza foi a da loja 4.400 – Lojas Brasileiras de Preço Limitado – que ficou conhecida como Lobrás, na esquina das ruas Major Facundo e Pará, ocupando o térreo e sobreloja do prédio do hotel Savanah, na Praça do Ferreira.

E era lá, onde, intrometidos petizes, eu e Chiquinho íamos para encorajar aos que se pelavam de medo de nela subir ou se embananavam e tentavam dela escapulir; e socorrer a quem se prendia, pedindo para desligarem a peçonhenta e desenganchar as chinelas ou a bainha da calça da vítima.

Pois é, exercitando a legítima cultura do Ceará Moleque, foi ao pé da escada rolante da 4.400 que essa pueril dupla se desenvolveu na tradicional arte da vaia alencarina, hoje muito bem espalhada e ensinada pelo talentoso Tarcísio Matos.

Muito grudado ao meu pai, eu dava o maior valor acompanhá-lo por onde quer que fosse. Durante a semana, quando permitido me era, depois de fazer o dever de casa, eu me mandava ao Centro da cidade para frequentar o consultório dele. Aí, eu me reservava a uma saleta contígua a do atendimento e ficava só inventando o que fazer com os bregueços disponíveis.

No anuviado final do dia, quando chegava a hora de irmos embora pra casa, voltávamos na enxuta Kombi branca falando sobre as coisas da vida e escutando aqueles programas de rádio que, apesar de melancólica inspiração, eram abarrotados de animados forrós e diversos recados.

Já, aos sábados, íamos ao armazém do Tio Raimundo, na Rua Governador Sampaio, onde reinava a animação! Lembro da antiga mesa de trabalho, logo na entrada, entre sacas de arroz, feijão e farinha, sendo desocupada para se tornar campo de futebol de botão, do disputado campeonato organizado pelo primo Raimundinho.

Com meu pai, na estreita calçada, quantas vezes sentei-me na coxia para chupar picolé de morango, coco ou castanha, enquanto reparava passar uma faceira e emperequetada vendedora de café, segurando o bule enrolado em pano de retalho de chita e os bem lavados copos americanos enfiados um no outro.

Às vezes, eu ainda era levado pelos mais velhos ao bar da rua. Enquanto eles bebiam cerveja, eu tomava refrigerante, beliscava uns oleosos, gordos e salgados tira-gostos, prestando atenção nos chapeados que davam cachaça ao santo, viravam o copo e cuspiam rajado no pé do balcão, revelando o mascar de fumo de rolo.

Essas são cenas simples e corriqueiras, que contam um pouco da minha vida.

*Totonho Laprovitera

Arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.

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