“A ascensão econômica da China e as lições para o Brasil” – Por Alex Araújo

Alex Araújo é economista, ex-SDE e ex-superintendente de Microfinanças do BNB. Foto: Arquivo pessoal

Com o título “A ascensão econômica da China e as lições para o Brasil”, eis artigo de Alex Araújo, economista, ex-secretário do Desenvolvimento Econômico do Estado e ex- superintendente de Microfinanças e Agricultura Familiar do Banco do Nordeste. “O Brasil parece preso a uma lógica de curto prazo. A cada novo governo, reformas fiscais buscam equilibrar receitas e despesas, mas quase sempre pelo ladomais fácil: o aumento da carga tributária”, expõe o artoculista.

Confira:

Em meio ao agravamento dos problemas fiscais, o Brasil inicia mais uma tentativa de apresentar um pacote de ajuste que seja viável do ponto de vista político. A proposta do governo federal, como em outras ocasiões, foca quase exclusivamente no aumento de receitas, recorrendo a elevações e reinterpretações tributárias. A agenda de crescimento, mais uma vez, fica relegada a segundo plano. Essa escolha tem custado caro ao país, que cresce pouco, investe mal e permanece aprisionado a uma armadilha de baixo dinamismo.

Diante desse quadro, vale observar como países que enfrentaram desafios similares conseguiram superá-los. A China é o exemplo mais emblemático. Em quatro décadas, saiu de uma economia agrária e pobre para se tornar a segunda maior potência do mundo — e, cada vez mais, uma força capaz de rivalizar com os Estados Unidos em várias dimensões do poder global, inclusive tecnológico e financeiro. Sua trajetória oferece lições valiosas para o Brasil repensar sua estratégia de desenvolvimento.

A construção da potência chinesa Após a morte de Mao Tsé-Tung em 1976, a China abandonou a rigidez do comunismo clássico e passou a adotar reformas orientadas ao mercado, sob a liderança de Deng Xiaoping. A estratégia não foi de ruptura completa, mas sim de pragmatismo: manteve o controle político centralizado enquanto gradualmente abria a economia para o
investimento estrangeiro, adotava políticas industriais dirigidas e utilizava o Estado como indutor do crescimento.

Três pilares sustentaram a ascensão chinesa: i) investimentos massivos em infraestrutura e educação; ii) política industrial coordenada, com foco em setores estratégicos; iii) integração inteligente às cadeias globais de valor, inicialmente como fornecedora de produtos de baixo valor agregado, e posteriormente como desenvolvedora de tecnologias próprias. Ao mesmo tempo, a China manteve uma disciplina fiscal orientada a viabilizar investimentos públicos, ao contrário da obsessão ocidental com superávits primários imediatos.

Desde 2001, com a entrada na Organização Mundial do Comércio, a China acelerou ainda mais, aproveitando o acesso a mercados globais e atraindo vultosos investimentos externos. A economia cresceu a taxas anuais superiores a 9% por quase três décadas, retirando mais de 800 milhões de pessoas da pobreza e elevando o padrão de vida da população. Hoje, o país lidera a produção de bens industriais, domina setores como baterias, veículos elétricos, telecomunicações e energia solar, e disputa com os EUA a primazia em inteligência artificial e semicondutores.

A bipolaridade emergente

A estratégia chinesa não se limitou à economia. Com o fortalecimento interno, Pequim passou a desenhar uma arquitetura de influência global. O projeto da Nova Rota daSeda (Belt and Road Initiative), a criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, o aumento de sua participação em organismos multilaterais e a diplomacia agressiva em regiões estratégicas como a África e a América Latinarevelam sua ambição geopolítica.

Ao combinar crescimento econômico sustentado com projeção internacional, a China consolidou-se como o principal contraponto ao modelo ocidental liderado pelos EUA. O mundo caminha para uma nova bipolaridade, não mais centrada em ideologias opostas, mas em sistemas econômicos e tecnológicos diferentes — um mais liberal e outro mais coordenado, ambos disputando espaço global.

O que o Brasil pode aprender

O Brasil, por sua vez, parece preso a uma lógica de curto prazo. A cada novo governo, reformas fiscais buscam equilibrar receitas e despesas, mas quase sempre pelo ladomais fácil: o aumento da carga tributária. O problema é que esse caminho tem limites. A carga já ultrapassa os 32% do PIB, mas os serviços públicos continuam ineficientes,o investimento público é baixo e a produtividade segue estagnada.

Diante disso, algumas lições da China são relevantes:

1. Planejamento de longo prazo: a China tem metas de desenvolvimento para10, 20 e até 50 anos. O Brasil precisa reconstruir sua capacidade deplanejamento estratégico, com foco em infraestrutura, inovação e capacitação.

2. Política industrial coordenada: não se trata de escolher "campeões nacionais", mas de identificar setores com potencial e criar ecossistemas de apoio, com crédito, pesquisa, capacitação e inserção internacional. Nesse sentido, a iniciativa da Nova Indústria Brasil pode ser a alavanca para odesenvolvimento industrial nacional.

3. Investimento em capital humano: o salto da China passou por massificar a educação básica e investir pesado em ciência e tecnologia. O Brasil ainda enfrenta déficits educacionais graves, que comprometem qualquer agenda de crescimento.

4. Estado eficiente, não mínimo: o modelo chinês mostra que o Estado pode ser indutor do crescimento, desde que opere com eficiência e coordenação. No Brasil, a reforma do Estado precisa ir além do ajuste fiscal e buscar eficiência na entrega de políticas públicas e incremento da governança para impedir a corrupção.

5. Integração estratégica às cadeias globais: o Brasil tem vantagens em setores como alimentos, energia limpa e minerais estratégicos. É preciso ir além da exportação de commodities e agregar valor com tecnologia, logística e diplomacia comercial, aproveitando o ambiente de reconfiguração das cadeias globais de suprimento.

A China não oferece um modelo a ser copiado, mas um exemplo de como estratégia, disciplina e visão de longo prazo podem transformar um país. O Brasil precisa sair da armadilha do ajuste fiscal eterno e construir uma agenda de crescimento sustentável, com reformas estruturantes, foco na produtividade e maior protagonismo no cenário global. É hora de mudar a agenda política e buscar alternativas pró-crescimento.

*Alex Araújo

Economista, ex-secretário do Desenvolvimento Econômico do Estado e ex- superintendente de Microfinanças e Agricultura Familiar do Banco do Nordeste.

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