“A retórica democrática pode ser cooptada por aqueles no poder como uma cortina de fumaça para práticas antidemocráticas”, aponta o ex-superintendente da Polícia Civil do Ceará, César Wagner.
Confira:
Em diversas ocasiões ao longo da história, a bandeira da “democracia” foi erguida não como um estandarte de liberdade, mas como uma ferramenta de repressão. Este paradoxo revela uma distorção preocupante: o conceito de democracia sendo utilizado para justificar ações que limitam as liberdades individuais sob o pretexto de proteger o bem comum.
Um exemplo clássico é o do regime de Josef Stalin na União Soviética. Apesar de autoproclamada socialista e tecnicamente baseada em princípios democráticos de igualdade e poder do povo, a prática stalinista distorceu esses princípios em favor de um controle autoritário quase total. Censura, perseguição política e supressão de dissidências eram justificadas como necessárias para proteger a revolução e o estado — uma democracia que, na verdade, não permitia voz ao povo.
Outro exemplo histórico é o uso do Ato de Habilitação de 1933 pela Alemanha Nazista, que, após um discurso veemente sobre a recuperação da estabilidade e o resgate da democracia, concedeu a Adolf Hitler poderes praticamente ilimitados. Embora votado e aprovado dentro dos mecanismos democráticos do Reichstag, esse ato marcou o início de uma era de terror e opressão que estava em flagrante contradição com qualquer verdadeiro espírito democrático.
Mais recentemente, temos visto regimes que, sob a alegação de estar agindo em nome da democracia, implementam leis e medidas que restringem a liberdade de expressão, a imprensa e a internet. Exemplos incluem países onde leis contra “fake news” são usadas para calar críticos e diminuir a transparência governamental, sob o pretexto de preservar a ordem pública e a democracia.
Esses exemplos ilustram uma verdade inconveniente: a retórica democrática pode ser cooptada por aqueles no poder como uma cortina de fumaça para práticas antidemocráticas. A democracia real exige vigilância constante, não apenas contra os inimigos externos da liberdade, mas, talvez mais crucialmente, contra aqueles internos que pretendem subverter seus princípios em nome da própria democracia.
Portanto, é essencial que a democracia seja praticada com uma mão aberta, não com um punho fechado. Ela deve ser um diálogo contínuo e uma negociação, não uma desculpa para o autoritarismo. Os cidadãos devem estar equipados e encorajados a questionar e a desafiar o uso do seu nome para fins que contrariem seus princípios fundamentais. A democracia não deve ser uma mordaça, mas um meio de empoderamento onde todas as vozes têm a chance de ser ouvidas e consideradas.
César Wagner Maia Martins é ex-superintendente da Polícia Civil do Ceará, ex-coordenador-geral da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (CIOPS), ex-diretor do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), ex-diretor do Departamento de Polícia do Interior (DPI) e ex-delegado Titular da Delegacia de Combate ao Narcotráfico. Ex-secretário de Segurança de Aracati. Formado em Direito (Unifor) e especialista em Direito Processual Penal (Unifor). Comunicador, radialista, palestrante e consultor de empresas