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“A guerra como final: uma reflexão sobre conflito, origem e transformação” – Por Vanilo de Carvalho

Vanilo de Casvlaho, advogado e mestre em Negócios Internacionais. Foto: Arquivo Pessoal

Com o titulo “A guerra como final: uma reflexão sobre conflito, origem e transformação”, eis artigo de Vanilo de Carvalho, advogado e mestre em Negócios Internacionais.

Confira o ensaio:

A guerra, em sua essência, é uma manifestação extrema da condição humana, carregando em si a capacidade de destruir e de criar. Ao afirmar que “a guerra é como o começo”, introduz-se uma perspectiva paradoxal, pois o que é comumente associado à ruína e ao término se apresenta, aqui, como fundação, origem e reinício. Este ensaio tem como objetivo examinar, sob um olhar multidisciplinar, os múltiplos sentidos em que a guerra pode ser entendida como um ponto inaugural — seja de novas ordens políticas, estruturas sociais, paradigmas culturais ou subjetividades históricas. Para tanto, dialogaremos com a história, a filosofia, a literatura e os estudos políticos.

1. A guerra como gênese política

Historicamente, guerras marcaram o nascimento de civilizações e o redesenho de mapas e fronteiras. O surgimento de diversos Estados modernos está diretamente relacionado a conflitos armados. A Guerra dos Cem Anos (1337–1453), por exemplo, foi fundamental na consolidação das identidades nacionais da França e da Inglaterra. O mesmo se pode dizer da Guerra de Independência dos Estados Unidos (1775–1783), que não apenas fundou uma nova nação, como também inaugurou um modelo republicano que influenciaria inúmeros movimentos políticos no Ocidente.

No século XX, as duas grandes guerras mundiais alteraram drasticamente o sistemainternacional, pondo fim a impérios seculares e abrindo espaço para novas organizações, como a ONU. Tais eventos não apenas encerraram períodos históricos, mas instituíram novas ordens, novos pactos e novas ideologias — a própria Guerra Fria pode ser vista como um começo geopolítico baseado no antagonismo sistêmico entre dois blocos de poder.

2. Perspectivas filosóficas: entre a destruição e a revelação

A filosofia política também tem se debruçado sobre a função da guerra na constituição das sociedades. Para Hegel, a guerra é uma das formas pelas quais o Espírito se realiza na história, rompendo com o status quo e promovendo a superação dialética dos conflitos sociais. Em sua visão, a guerra é parte do processo racional de evolução da liberdade.

Carl Schmitt, em sua obra sobre o político, argumenta que a distinção amigo/inimigo é constitutiva da política e encontra na guerra sua expressão mais clara. A guerra, nesse sentido, não é um acidente, mas uma dimensão essencial da vida política. Por outro lado, pensadores como Emmanuel Levinas e Hannah Arendt oferecem críticas à lógica da violência como fundadora. Levinas vê a guerra como a negação do Outro, da alteridade, e, portanto, como ruptura da ética. Arendt, embora reconheça que os atos de fundação política muitas vezes se dão em contextos violentos, distingue entre poder e violência, defendendo que o verdadeiro começo político está na ação coletiva e na palavra, não na força.

3. A guerra como ruptura cultural e início de novas narrativas

Na literatura e nas artes, a guerra é frequentemente tratada como um marco de transformação simbólica e cultural. As grandes guerras do século XX inauguraram novas estéticas e novos modos de representar o trauma, o absurdo e a descontinuidade histórica. O modernismo literário, com autores como T. S. Eliot, Virginia Woolf e Erich Maria Remarque, nasceu sob a sombra da Primeira Guerra Mundial, explorando ocolapso das narrativas lineares e a fragmentação do sujeito.

No pós-Segunda Guerra, movimentos como o existencialismo e o teatro do absurdo exprimem a angústia de um mundo que passou por horrores inomináveis. A guerra,nesse contexto, é a origem de uma nova sensibilidade artística e filosófica: um novo começo, porém marcado pelo trauma e pela desilusão. A guerra também redefine identidades culturais e nacionais. Os processos de
descolonização, muitas vezes violentos, constituem-se como guerras de libertação nacional, cujo início é, paradoxalmente, o fim do colonialismo. São guerras que, ao mesmo tempo, encerram uma era e abrem outra — com novos símbolos, constituições e mitologias.

4. Tecnologia, economia e o novo mundo após a guerra

As guerras também funcionam como motores de inovação. A Primeira Guerra Mundial viu o surgimento de tecnologias como o tanque de guerra, o avião militar e as armas químicas. A Segunda Guerra Mundial impulsionou o desenvolvimento da energia nuclear, da informática e da indústria farmacêutica. O investimento em ciência etecnologia, ainda que motivado pela destruição, transformou profundamente associedades no pós-guerra.

No plano econômico, a reconstrução da Europa através do Plano Marshall é outroexemplo de como a guerra inaugura novas estruturas. O Estado de bem-estar social,consolidado em muitos países europeus, tem raízes nas políticas de reconstrução e segurança implementadas após 1945.

5. A guerra como ambiguidade fundacional

Apesar de seu poder fundacional, a guerra é, também, um início manchado. Toda gênese por meio da violência está impregnada de ambiguidade moral. Quem escreve a história do início? Quem colhe os frutos da nova ordem instaurada pela guerra? O início proporcionado pela guerra frequentemente exclui e marginaliza. As guerrascoloniais, por exemplo, foram inícios de impérios e destruição de culturas inteiras. A guerra civil pode instaurar a democracia, mas também pode gerar décadas deinstabilidade. A guerra é como o começo — mas um começo que carrega os escombros do que foi aniquilado para que algo novo surgisse.

6. Considerações finais: o começo como desafio ético

A metáfora da guerra como começo é fecunda, mas deve ser manuseada com prudência. Ela permite compreender a guerra como um fenômeno mais complexo do que pura destruição — como um evento que institui, que redefine, que inaugura. Mas é preciso lembrar que esse início é sempre trágico, marcado pela dor, pelo sacrifício e pela perda irreparável.

Compreender a guerra como começo não é celebrá-la. Pelo contrário, é assumir a responsabilidade de refletir sobre as condições históricas, políticas e culturais que a tornam possível e, muitas vezes, inevitável. É também questionar se não há outroscomeços possíveis — menos violentos, mais éticos, mais solidários.

*Vanilo de Carvalho

Advogado e mestre em Negócios Internacionais.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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