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“A novena de Dona Canô”

Tuty Osório é jornalista e escritora

“Definitivamente não é ruim envelhecer quando olho para elas. Persiste o sentimento de que passou muito rápido”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório.

Confira:

Na fila do embarque dois casais passam à frente da ordenação convencionada, driblando a ordem estabelecida. A moça de cabelo trançado na lateral do rosto, pequeno lenço colorido arrematando a ponta, vestido longo de linho, protesta indignada. Coincide com a minha aproximação para perguntar sobre o grupo daquela fila e fico constrangida, achando que ela pensou que eu também pretendia furar. Ando meio aposentada dos barracos por direitos desrespeitados. Como sempre estive ao lado de quem cumpre regras e protesta contra quem não cumpre, apresso-me a explicar.

-Eu só ia perguntar se este é o grupo 2, – esclareço.

Ela tem evidente simpatia por mim. Só que não sorri.

-A senhora tem prioridade. Pode passar na frente de que for, – diz com firmeza.

-Ainda não. Faltam oito meses, ainda, – contesto.

Ela sorri com dificuldade e estende o braço indicando a passagem.

Prefiro seguir a fila e insisto em localizar o grupo 2. Conseguindo vou no meu rumo, satisfeita por estar no lugar certo. Chega a minha vez, entro no avião, localizo a minha poltrona que é nos lugares mais espaçosos sem eu ter pago por isso. Pelos pontos sou quase VIP naquela companhia. Gosto do conforto. Desagrada-me o privilégio, conferido em função da cifra gasta em viagens sucessivas. Não adianta remar contra. Não vou ceder o meu lugar. É uma mistura de emoções contraditórias. Gosto e não gosto de ser cliente quase especial.

Na esteira da reflexão vem a consciência, cada vez mais presente, da idade. E não é que estou gostando? Não sei como vai ser depois. Os 60 não me apavoram. Nenhuma idade me assustou, na verdade. Passei de uma década a outra tentando aproveitar o que cada uma me trazia de positivo. Sou uma criatura Adélio Prado. Cuido da casa, leio muito, não escrevo poesia, como ela. Como ela emociono-me ao ler o que escrevo. Dou umas arriscadas em outros gêneros. Contos, crônicas…Vez por outra acredito em parto sem dor e acho o Rio de Janeiro uma beleza.

Gosto da geração de Adélia. Mulheres que ocupam os pódios fazendo o barulho da efetiva ação. Não pegaram carona com nada, nem com ninguém. Fernanda Montenegro, Luiza Erundina, Nathalia Timberg, pra ficar nas famosas. Definitivamente não é ruim envelhecer quando olho para elas. Persiste o sentimento de que passou muito rápido.

Não é ruim ser exemplo. Modelo de reza, o que dizemos ser levado muito a sério. Nossa, como desejo ser merecedora. Ser bem vinda. Ter valido fazer parte desses anos – sejam 20, 24, 28, 35, sejam os meses que se transformarão em anos num instante. Gosto de ser amada pelos meus.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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