“Dotada de uma beleza delicada e austera, teve desde cedo um talento genuíno e forte interesse pela arte dramática”, aponta Magno Ponte, integrante da Academia Cearense de Cinema.
Confira:
“Em uma única vida, fui de santa a vagabunda, e voltei a ser santa novamente” (Ingrid Bergman).
No final do século XX, quando o American Film Institute selecionou as maiores lendas do cinema, após uma gigantesca enquete com o público e com a comunidade cinematográfica, Ingrid Bergman foi contemplada como a quarta maior estrela feminina de todos os tempos. Um reconhecimento justo e relevante para esta mulher, cuja vida extraordinária, dentro e fora das telas, abalou nosso planeta Terra!
Nascida em Estocolmo, capital da Suécia, em 1915, e dotada de uma beleza delicada e austera, teve desde cedo um talento genuíno e forte interesse pela arte dramática, o que culminou num grande sucesso em 1936, com o filme sueco INTERMEZZO, película que despertou a atenção do grande produtor de Hollywood David O. Selznick, que a contratou para a refilmagem americana, com Leslie Howard como par romântico, praticamente copiando passo a passo a fita original. Aproveitando o fascínio que Greta Garbo, outra diva nórdica, despertava, este filme, de 1939, lançou Ingrid nos Estados Unidos, justamente naquele ano, considerado o mais produtivo e icônico da época de ouro do cinema americano! Era o início do superestrelato internacional com a adoração do público.
Na década de 1940, vieram produções consagradoras como O MÉDICO E O MONSTRO ( 1941), com Spencer Tracy, e os dois grandes clássicos românticos que a eternizariam: CASABLANCA (1943) em que faz um inesquecível triângulo amoroso com Humphrey Bogart e Paul Henreid, enquanto o mundo despenca nos horrores da segunda guerra mundial e o emocionante POR QUEM OS SINOS DOBRAM ( 1943) com o astro Gary Cooper, combatendo na guerra civil espanhola!
Em seguida, veio o grande suspense À MEIA LUZ (1944) que lhe valeu, com justiça, seu primeiro Oscar de melhor atriz! Falando em suspense, na sequência, viria uma grande parceria de 3 filmes com o mestre Alfred Hitchcock em QUANDO FALA O CORAÇÃO (1945), INTERLÚDIO (1946) e SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (1949).
Joana D’Arc, heroína francesa, foi personagem de inúmeros filmes, dentre eles uma versão americana de 1948, com Ingrid Bergman no papel título e também de uma obra-prima muda, considerada até hoje um dos maiores filmes de todos os tempos: A PAIXÃO DE JOANA D’ARC, de 1928, que inspira o título deste artigo.
Após esta sequência fantástica, ficou impressionada com o mítico filme neo-realista ROMA, CIDADE ABERTA (1946), dirigido pelo prestigiado cineasta italiano Roberto Rossellini. Decidiu filmar com ele seu próximo filme, e impulsivamente foi atrás do diretor, escrevendo uma carta em que oferecia o seu trabalho. Fez STROMBOLI (1950) que resultou no fim do seu casamento e em escândalo mundial, quando engravidou e decidiu viver com Rossellini, por quem se apaixonou perdidamente. Uma paixão tão avassaladora, que a fez largar o marido e sua filha de 11 anos nos Estados Unidos. O diretor também era casado, numa Itália extremamente conservadora e católica. Com o cineasta faria mais 2 filmes: EUROPA 51 (1952) e VIAGEM A ITÁLIA (1954), se separando dele em 1957. Se este caso extraconjugal tivesse acontecido com qualquer outra atriz, não teria causado um choque tão grande, pois Ingrid representava para os fãs, um símbolo de pureza e integridade a toda prova. Em sua autobiografia, escrita 30 anos depois em 1980, a sueca confessava “Três anos antes de acontecer eu já pedira o divórcio, que meu marido não aceitava em hipótese alguma. E na época, eu não tinha motivos para partir, pois não havia outra pessoa com quem quisesse viver. Foram tantos anos em que eu simplesmente esperava encontrar alguém que me fizesse partir. Roberto fez isso. E eu não esperava que fosse transtornar o mundo inteiro…”
No fim da vida, arremataria: “Felicidade é boa saúde e péssima memória”!
Com o choque causado por sua infidelidade, foi execrada pela opinião pública e banida durante alguns anos do mercado cinematográfico norte-americano, até ser perdoada em 1956, com seu retorno triunfal e maravilhoso em ANASTASIA, A PRINCESA ESQUECIDA, produzido na Inglaterra, cuja espetacular atuação lhe garantiu o segundo Oscar de melhor atriz e a reconciliação com o público e com a indústria americana. Daí em diante seguiria com grandes sucessos, como INDISCRETA (1958) ao lado do antigo parceiro Cary Grant, A MORADA DA SEXTA FELICIDADE (1958), O ROLLS ROYCE AMARELO (1964)…até nova premiação do Oscar, sua terceira, desta feita como melhor atriz coadjuvante por sua performance em ASSASSINATO NO ORIENT EXPRESS ( 1974). Ainda brilharia em seu último papel como Golda Meir em 1982, num filme feito para a TV, após seu canto de cisne no cinema, dirigida pelo lendário conterrâneo Ingmar Bergman, no belíssimo SONATA DE OUTONO (1978).
Ao morrer em 1982, no mesmo dia em que completou 67 anos, depois de uma longa luta contra um câncer de mama, ela tinha reconquistado, em absoluto, o carinho e o respeito do público e de seus colegas de profissão.
O impressionante é que a personagem que a fez a atriz mais amada do mundo, no insuperável CASABLANCA (1943), era exatamente uma mulher casada, perdidamente apaixonada por outro homem, e por quem deixaria o esposo , não fosse a recusa do amante idealista Humphrey Bogart, com coração de ouro e ferro, que no final, ao reagir a pergunta dela ‘ e quanto a nós ? “, se despede, respondendo num misto de saudosismo e promessa: ” Nós sempre teremos Paris!!
Oscar Wilde dizia que “a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida!”
Magno Ponte é integrante da Academia Cearense de Cinema