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“A pedofilia virou um grande mercado para as Big techs” – Por Sara Goes

Sara Goes é jornalista e comunicadora

“Documentário expõe engrenagem digital que explora a infância e desafia a regulação brasileira, mostrando que algoritmos não são neutros, mas cúmplices ativo”, aponta a jornalista Sara Goes

Confira:

O lançamento do documentário Adultização, em 8 de agosto de 2025, rompeu uma barreira de silêncio ao expor a mecânica invisível que conecta redes sociais, monetização digital e exploração sexual infantil. Produzido por um youtuber do humor, Felca, o filme mostra como sistemas de recomendação das principais plataformas são capazes de identificar e amplificar conteúdos voltados a pedófilos, muitas vezes a partir de vídeos aparentemente inofensivos.

Mais do que flagrar casos isolados, a obra revela que a economia das big techs incorpora a violência sexual infantil como nicho de mercado. Isso ocorre quando visualizações, curtidas e comentários são transformados em dados, convertidos em publicidade segmentada e reinseridos no ciclo algorítmico.

O algoritmo como coautor – No centro dessa engrenagem está o algoritmo, não como ferramenta neutra, mas como operador ativo. Sua função é maximizar retenção e engajamento, independentemente do impacto social. Comportamentos abusivos são potencializados porque geram interações intensas, e cada clique, até mesmo de usuários indignados, alimenta o modelo de negócios.

Ao “descobrir” que determinado conteúdo mantém a audiência por mais tempo, a plataforma o recomenda mais, fechando o ciclo de exposição e lucro.

Exploração sem fronteiras – Entre 2023 e abril de 2025, 6.372 crianças e adolescentes foram resgatados em situação de trabalho infantil no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho. Embora o dado se refira ao uso de mão de obra, especialistas alertam que as vulnerabilidades são semelhantes às que levam à exploração sexual. Em escala global, a relação entre infância e exploração tecnológica é ainda mais explícita. A mineração de cobalto no Congo, insumo essencial para a indústria de smartphones, envolve milhares de crianças trabalhando em condições degradantes, um lembrete de que a tecnologia de ponta pode carregar, na origem, a marca da violação de direitos.

No ambiente digital, a exploração assume formas mais sutis, camufladas em vídeos “familiares” e perfis “inofensivos”, mas organizadas de forma a atrair e manter predadores.

O elo com a extrema direita brasileira – A falta de regulação robusta não é apenas resultado de inércia institucional, mas também de ação política coordenada. No Brasil, a extrema direita encontrou nas big techs um aliado informal para a construção de sua base social. Plataformas que lucram com a desinformação e o discurso de ódio também abrigam e potencializam conteúdos que exploram a imagem de crianças, seja para atacar adversários políticos, seja para reforçar pautas moralistas seletivas.

O paradoxo é evidente: líderes e influenciadores dessa corrente se apresentam como defensores da “família tradicional” enquanto se beneficiam das mesmas engrenagens digitais que alimentam redes de abuso. Em votações e audiências públicas, parlamentares alinhados a esse campo resistem a qualquer medida que imponha auditoria de algoritmos ou responsabilização das plataformas, sob o argumento de “proteger a liberdade de expressão”, uma bandeira que, na prática, serve para blindar interesses corporativos e evitar mecanismos de rastreamento e punição.

A falha da proteção legal – O Brasil dispõe de um marco jurídico robusto, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). No entanto, essas normas foram desenhadas para um cenário pré-algorítmico, no qual o controle de conteúdo era centralizado e a exposição de crianças não estava incorporada a modelos de negócios globais.

A assimetria regulatória é evidente: corporações sediadas em países centrais impõem termos de uso, padrões técnicos e políticas internas que raramente sofrem fiscalização local efetiva. Isso cria um vácuo no qual a soberania nacional se enfraquece e o poder de decisão sobre a segurança infantil é terceirizado para empresas privadas com interesses comerciais.

O que precisa mudar – Especialistas e organizações de defesa da infância defendem um conjunto de medidas urgentes:

responsabilização objetiva das plataformas pela monetização de conteúdo nocivo;
auditorias independentes e periódicas de algoritmos;
bloqueio proativo e imediato de material suspeito;
compliance específico para a proteção infantil como condição de operação;
responsabilização solidária de anunciantes que financiam esse ecossistema.

Sem uma regulação desse tipo, afirmam, as big techs continuarão a tratar a infância como commodity de alto valor no mercado de dados.

Um desafio civilizatório – A resistência à mudança vem acompanhada de um discurso padronizado das empresas, que alegam já ter mecanismos eficazes de moderação e associam maior regulação ao risco de censura. Para críticos, essa narrativa ignora que o cerne da questão não é liberdade de expressão, mas soberania informacional e proteção integral.

O documentário Adultização demonstra que o enfrentamento do problema exige articulação política, capacidade técnica e mobilização social. Não se trata apenas de punir criminosos individuais, mas de reformar uma arquitetura digital que transforma o abuso em ativo econômico.

Enquanto a lógica do lucro prevalecer sobre o dever de proteção, a máquina algorítmica seguirá alimentando um mercado global de exploração infantil, em que cada clique, curtida ou compartilhamento se converte em combustível para um ciclo de violência que atravessa fronteiras físicas e digitais.

A análise completa, com aprofundamento conceitual e articulação política mais ampla sobre o tema, está disponível no ensaio original publicado no site <código aberto>.

Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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