“O que existe é Lula de um lado, capitaneando a ânsia por justiça social e desenvolvimento econômico, e a elite do atraso do outro”, aponta o jornalista Paulo Henrique Arantes
Confira:
A retórica da polarização é falsa, construída para que se viabilize a candidatura de algum nome da direita limpinha, que não seja tosco como Jair Bolsonaro. Alguém que seja uma mistura de Henrique Meirelles, Paulo Guedes e Roberto Campos Neto na economia. Nos “costumes”, lhes cai bem um perfil tipo Luciano Huck ou Eduardo Leite. Para a maioria da sociedade brasileira, qualquer uma dessas pessoas na Presidência da República – ou alguém da mesma linha falso-modernista, um Tarcísio de Freitas – significaria o Brasil subjugado a todos aqueles mantras de austeridade, privatização, corte de gastos, meritocracia e outras mentiras neoliberais.
A polarização Lula–Bolsonaro que se vende como verdade absoluta é fake. O que existe, o que persiste, é Lula de um lado, capitaneando a ânsia nacional por justiça social e desenvolvimento econômico, e a elite do atraso, como bem definiu Jessé Souza, do outro. O que se batizou de “polarização” nada mais é que a continuidade do nosso conflito histórico entre exploradores e explorados.
Não há polarização Lula-Bolsonaro por inúmeras razões. Uma delas, a mais óbvia, é porque o capitão encontra-se inelegível e, se não fugir, será preso. Outra é porque Bolsonaro pode arregimentar uma multidão de imbecis, mas na verdade sempre foi uma marionete nas mãos das raposas da direita política. Covarde, traidor de amigos, intelectualmente primitivo, não desfruta da lealdade de ninguém que esteve em seu barco, ora naufragado. Isso, em termos práticos.
Em termos filosóficos, faz-se necessário um resgate histórico para que se compreenda a única polarização que vigora no país. Fiquemos no período nascido com a Constituição de 1988. Desde que os cidadãos voltaram a votar para presidente, de um lado sempre esteve Lula – é claro, nunca sozinho, mas como aglutinador de forças progressistas. Foi assim contra Collor e FHC, no entorno dos quais estiveram exatamente as mesmas figuras – e boa parte dos princípios – que abraçariam Jair Bolsonaro. E que, antes dele, incensariam Michel Temer.
Ressalve-se que Fernando Henrique Cardoso declarou voto em Lula em 2022, dado não existir a tal terceira via. Tivesse a opção, príncipe dos sociólogos escolheria qualquer Luciano Huck da vida.
Claro está mais, e mais claro é impossível, que a única e intransponível polarização consiste na tragédia histórica brasileira, em que se perpetuam, de um lado, uma elite ignorante e segregacionista. De outro, aqueles que, para aquela elite, são os responsáveis pela inflação quando passam a comer melhor.
Paulo Henrique Arantes é jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”. https://noticiariocomentado.com/