Com o título “A política como arte da divisão e o espírito tricolor”, eis a coluna “Fora das 4 Linhas” assinada pelo jornalista Luiz Henrique Campos. “É lamentável ver a política, que deveria ser o espaço do diálogo e da solução de problemas complexos, sendo usada para alimentar rivalidades e enfraquecer instituições que deveriam permanecer apartidárias”, expõe o colunista
Confira:
A recente briga nos bastidores do Fortaleza Esporte Clube, envolvendo o senador Eduardo Girão e o ex-presidente Marcelo Paz, é um episódio lamentável para a história do clube. O Fortaleza, que tanto cresceu e se consolidou como referência no futebol nordestino, não merece enfrentar um ambiente de instabilidade e disputa pessoal justamente em um momento que exige união. Tanto Girão quanto Paz já deram contribuições inegáveis à instituição. Por isso mesmo, seria natural que ambos, neste momento, se unissem em prol do Tricolor do Pici, colocando acima de tudo o bem maior. que é o Fortaleza Esporte Clube.
O que se vê, porém, é a infiltração de um componente político-partidário nessa controvérsia. Girão e Paz ocupam posições opostas na política local, e essa divisão parece ter transbordado para o campo esportivo. É lamentável ver a política, que deveria ser o espaço do diálogo e da solução de problemas complexos, sendo usada para alimentar rivalidades e enfraquecer instituições que deveriam permanecer apartidárias.
Mas talvez valha reconhecer uma verdade incômoda. Como já notaram pensadores de Maquiavel a Chantal Mouffe, a política é também a arte da divisão. O conflito faz parte de sua natureza. A diferença de ideias, de visões e de projetos é inevitável — e até saudável — no jogo democrático. O problema surge quando essa lógica do antagonismo ultrapassa os limites da política e contamina espaços que deveriam servir justamente ao encontro e à coletividade, como o futebol.
No caso do Fortaleza, o risco é claro, ao transformar o clube, que simboliza pertencimento e paixão, em trincheira ideológica. O torcedor tricolor não precisa escolher um lado político para amar o time. Sua identidade está nas cores, nas arquibancadas, na história e na emoção — não nas disputas partidárias. Misturar isso é empobrecer tanto a política quanto o esporte.
Não é a primeira vez que o Fortaleza se vê envolvido em situações semelhantes. Na eleição em que o atual prefeito Evandro Leitão saiu vitorioso, houve tentativas de associar o clube e suas cores a posicionamentos políticos, como se o torcedor não tivesse autonomia para decidir por si mesmo. Essa instrumentalização é perigosa porque confunde paixão com partidarismo e transforma o futebol, expressão máxima da emoção popular, em palco de vaidades e ressentimentos.
O futebol é uma das mais fortes manifestações culturais do Brasil. É ali que as diferenças se encontram sob um mesmo grito de gol, que a pluralidade se transforma em comunhão. Quando interesses pessoais e políticos se sobrepõem a isso, o resultado é perda — simbólica, institucional e afetiva. O Fortaleza representa um “nós” que transcende o voto, o partido ou a ideologia. Dividir esse “nós” é trair o espírito tricolor. A política pode até ser a arte da divisão. Mas o futebol — e especialmente um clube com a história e o peso do Fortaleza — deveria continuar sendo a arte do encontro.
*Luiz Henrique Campos
Jornlista e titular da coluna “Fora das 4 Linhas”, do Blogdoeliomar.