Com o título A Praga do Feminicídio”, eis artigo de Djalma Pinto, jurista, professor, escritor e ex-procurador-geral do Estado do Ceará. “O pleno desenvolvimento da pessoa, como finalidade da educação destacada pelo constituinte originário, significa capacitação de cada indivíduo para conter o seu impulso destrutivo a fim de não matar, não lesar ou causar dano ao outro. A colaboração da sociedade, para tanto, ocorre a partir da compreensão de que a missão de educar não pode ser restrita aos pais e à escola”, expõe o articulista
Confira:
Março, mês em que se comemora o Dia da Mulher, uma informação desalentadora chamou a atenção: “A cada 17 horas, ao menos uma mulher foi vítima de feminicídio em 2024”. A constatação torna-se mais surpreendente pelo conjunto de iniciativas, até aqui adotadas, objetivando reagir a tamanho retrocesso civilizatório: vigência da Lei Maria da Penha; tipificação do crime de feminicídio; Delegacias e Varas Especializadas de Atendimento à Mulher; institucionalização dos mecanismos de sua proteção etc.
O célebre Thomas Hobbes, no século XVII, na obra Diálogo entre um filósofo e um jurista, já explicava a raiz da criminalidade: “a força de um apetite incomum de riqueza, poder e prazeres sensuais, como ele domina a mais forte das razões é a raiz da desobediência, do assassinato, da fraude, da hipocrisia e de todos os tipos de maus hábitos. As leis dos homens, embora possam punir os frutos de tal apetite, que são as más ações, não podem desenterrar suas raízes, entranhadas no coração”.
Como “desenterrar do coração” as raízes do assassinato de mulheres, da corrupção e outros crimes que devastam a nossa sociedade? Com punição exemplar, sem condescendência, e por meio de efetivo compromisso de todos, governantes, educadores, familiares, veículos de comunicação e clubes esportivos, objetivando dar e etividade a este dispositivo adormecido no corpo da Constituição: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
O pleno desenvolvimento da pessoa, como finalidade da educação destacada pelo constituinte originário, significa capacitação de cada indivíduo para conter o seu impulso destrutivo a fim de não matar, não lesar ou causar dano ao outro. A colaboração da sociedade, para tanto, ocorre a partir da compreensão de que a missão de educar não pode ser restrita aos pais e à escola.
A situação caótica, comprovada na crescente prática do feminicídio, grita para acordar os diversos segmentos para a necessidade da colaboração de todos, como recomenda o texto constitucional, para enfrentamento dessa situação vergonhosa e depreciativa para quem integra a humanidade, neste momento angustiante, em que se pune as mulheres por simplesmente buscarem ser elas mesmas.
Como chegamos a esse nível de degradação? Quais as providências concretas para enfrentamento dessa situação? Na escola do ensino fundamental, como tem sido trabalhada a formação de nossos meninos, para que adultos não agridam nem matem suas companheiras? Quem são os secretários de educação nos nossos municípios? Como se comunicam com os munícipes para desestimular a agressividade dos educandos, incentivar a leitura e contribuir no “preparo para o exercício da cidadania”, em suas cidades?
Esse quadro desolador, de pais em prantos incessantes pela morte de suas filhas, não é castigo dos deuses. É consequência da falta de priorização da educação como transmissão, também, de valores destinados a suprimir o potencial de agressividade dos homens. Essa agressividade, não combatida desde a infância, é responsável pela praga do feminicídio, a exigir a colaboração dos mais diversos segmentos da comunidade para o seu combate eficaz.
*Djalma Pinto
Autor, entre outras, das seguintes obras: Direito Eleitoral Improbidade Administrativa e Responsabilidade Fiscal; Distorções do Poder, Elegibilidade no Direito Brasileiro; O Direito e o Comprovante Impresso do Voto; e A Cidade da Juventude.