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“A prisão de Bolsonaro e a degradação dos freios institucionais” – Por Barros Alves

Barros Alves é jornalista e poeta

“A omissão do Senado Federal em exercer seu poder constitucional de contenção, transformou aquela excepcionalidade inicial em avenida aberta para toda sorte de abusos”, aponta o jornalista e poeta Barros Alves

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A trajetória que culminou na prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro não pode ser compreendida como mera sucessão de atos judiciais. Trata-se de um processo que revela, com inquietante nitidez, a deterioração dos freios institucionais da República e a ascensão de um protagonismo jurisdicional que não encontra paralelo nos marcos clássicos do constitucionalismo democrático. O fenômeno não surgiu abruptamente; foi gestado a partir de permissividades inaugurais, negligências legislativas e uma inquietante metamorfose hermenêutica que permitiu a expansão de poderes incompatíveis com o ordenamento jurídico de qualquer nação verdadeiramente democrática.

O primeiro sintoma dessa anomalia institucional manifestou-se quando o então ministro Marco Aurélio Mello, ao analisar o Inquérito 4.781, classificou-o como “inquérito do fim do mundo”. A contundência da expressão não foi fruto de exagero retórico, mas de lúcida advertência. Ao permitir que o Supremo Tribunal Federal acumulasse simultaneamente as funções de vítima, investigador, acusador e julgador, inaugurou-se um modelo absolutamente avesso às garantias do sistema acusatório. Era inevitável que, da ruptura desse ponto de equilíbrio, desdobramentos ainda mais condenáveis emergissem. E eles não tardaram a se materializar.

A omissão do Senado Federal em exercer seu poder constitucional de contenção, transformou aquela excepcionalidade inicial em avenida aberta para toda sorte de abusos. Decisões monocráticas passaram a assumir papel legislativo, contornando limites constitucionais de forma cada vez menos dissimulada. Jurisprudências de ocasião, construídas ao sabor de conveniências momentâneas, alcançaram ares de doutrina, enquanto princípios estruturantes, como liberdade de expressão, presunção de inocência e imparcialidade judicial, foram sendo relativizados com impressionante desenvoltura. De guardião da Constituição, parte da magistratura ascendeu à condição de intérprete absoluto e irrecorrível de sua própria vontade.

A consequência direta desse desvio foi a criminalização de atos que, nas democracias maduras, seriam reconhecidos como expressão legítima do direito de reunião e manifestação. Marchas pacíficas de cidadãos desarmados passaram a ser tratadas como movimentos insurrecionais, enquadradas como tentativa de golpe de Estado. Nada poderia ser mais dissonante das bases do Estado Democrático de Direito. Tal conduta revela uma inversão lógica e moral que, em outros contextos históricos, pavimentou o caminho para regimes autoritários travestidos de legalidade.

A contradição entre o discurso acadêmico e a prática jurisdicional exacerba o constrangimento. Não é aceitável que ministros, reconhecidos por sua erudição jurídica, defendam nas universidades a supremacia das garantias fundamentais e, quando investidos da toga, adotem condutas diametralmente opostas, revelando a prevalência de convicções ideológicas sobre compromissos institucionais. Essa cisão entre teoria e prática não é mero detalhe; ela corrói a credibilidade da Suprema Corte e expõe uma militância que, no exercício da magistratura, é não apenas imprópria, mas profundamente nociva.

É nesse ambiente que se insere o tratamento dispensado ao ex-presidente Bolsonaro. Por maiores que sejam seus defeitos — e não se nega a condição humanamente falível de qualquer figura pública —, é inegável que se tornou alvo de um processo de desmoralização desproporcional, marcado por decisões questionáveis que violam princípios elementares do devido processo legal. A história será severa ao examinar a conduta dos magistrados que, em nome de uma pretensa defesa da democracia, acabaram por ferir sua essência com decisões que afrontam os preceitos constitucionais que juraram defender.

O cenário que se descortina é grave: vivemos sob a ameaça permanente de um autoritarismo sofisticado, de feição tecnocrática, que dispensa a força bruta e se impõe por meio de atos judiciais inacessíveis ao debate público e imunes ao controle institucional. Trata-se de um regime de exceção instaurado sem proclamação formal, sustentado por setores que, por conveniência política ou covardia moral, preferem silenciar. E o silêncio, sobretudo o das instituições e lideranças que deveriam zelar pelo equilíbrio republicano, transforma-se em adesão tácita aos desmandos.

É particularmente constrangedora a quietude das entidades que, por vocação histórica, deveriam erguer a voz contra abusos. Inclui-se aí, com pesar, o mutismo da Igreja Católica no Brasil, cuja Conferência Nacional dos Bispos tem se mantido em postura acovardada diante de reiterados atropelos jurídicos. Essa abdicação de responsabilidade moral remete, inevitavelmente, ao fenômeno dos “carrascos voluntários” que, em momentos sombrios da humanidade, sustentaram líderes autoritários não pela violência, mas pela omissão coletiva.

Também hoje, no Brasil, presenciamos a formação de uma massa de apoio silencioso e mesmo entusiástico, às mais degradantes injustiças praticadas contra indivíduos inocentes. A lógica é sempre a mesma: primeiro cala-se diante do abuso contra um adversário político; depois, naturaliza-se o abuso como instrumento legítimo; por fim, quando o abuso finalmente alcança os indiferentes, já não há mais quem possa protestar.

Esta é a lição que a história insiste em repetir e que, lamentavelmente, muitos insistem em ignorar. O que está em risco não é o destino pessoal de Jair Bolsonaro, mas a integridade do Estado Democrático de Direito. Se a sociedade brasileira não reagir com firmeza, amanhã a arbitrariedade que hoje atinge um será o mecanismo que atingirá todos. E quando a injustiça se converte em norma, a democracia deixa de existir, ainda que continue a ser proclamada nos discursos oficiais.

Barros Alves é jornalista e poeta

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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