“A realidade e o fim das cooperativas no Ceará – Por Djalma Pinto

Djalma Pinto é advogado e especialista em Direito Eleitoral. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “A realidade e o fim das cooperativas no Ceará”,eis artigo de Djalma Pinto, advogado e escritor. “(…) a hostilidade ao modelo prevaleceu e foi ele extinto. O tempo passou e tal, como vaticinara aquele Magistrado, “os bolsões de miséria” foram aumentados. O número de pedintes nas ruas disparou. Crianças nas calçadas se amontoam, deixando à mostra a incerteza de seu futuro. O crescente aumento dos benefícios sociais mostrou-se estimulador do desapreço pelo trabalho, culminando com a própria rejeição de muitos à assinatura da carteira”, expõe o articulista.

Confira:

No começo de 2025, uma situação curiosa chamou a atenção das pessoas que dela tiveram conhecimento. Um rapaz, que trabalha como pintor, ameaçava separar-se da mulher por uma situação jamais imaginada ao longo de décadas. Ela se recusava a aceitar a oferta de emprego, feita por uma conhecida empresa, porque lhe fora exigida a apresentação da carteira de trabalho para anotação e assinatura.

O marido desesperado não conseguira reverter a intransigência da mulher, que radicalizara em sua resistência sob o argumento de que não poderia perder o seu Bolsa Família. Esse fato permite uma reflexão relacionada com a perpetuação da pobreza no Nordeste e, especificamente, no Ceará. Mais de 1,3 milhão de pessoas, sem trabalho, recebem esse benefício do Governo Federal. Ou seja, a quantidade de cidadãos sem carteira assinada, em muitos municípios, é superior àqueles com carteira assinada com emprego formal.

A situação paradoxal, vivenciada com a crescente recusa em exibir a carteira de trabalho para assinatura ao empregador, traz à memória o fato de que, na década de 1990 tentou-se implantar no Estado um modelo de COOPERATIVA, copiado da China pelo então Secretário da Indústria e Comércio, Raimundo Viana. O objetivo era atrair empresas para o sertão, onde sequer era disponibilizado água com regularidade para banho dos empreendedores que para lá se dispusessem a gerar emprego.

Os jovens, nesse sistema, com idade para trabalhar, eram treinados para integrarem uma cooperativa, gerenciada por um deles. As empresas interessadas os qualificavam para a fabricação dos seus produtos. Não havia, porém, carteira assinada, apenas cada um contribuía individualmente com a previdência social. Ao invés de bolsa família, disponibilizava-se “bolsa trabalho” para todos os familiares que desejassem se qualificar e trabalhar para ter renda.

Pelo fato de não existir a formalização do contrato de trabalho com os destinatários dos produtos, uma verdadeira guerra foi travada por diversos atores da sociedade civil, motivada pela apologia à carteira de trabalho. Em vão, buscava-se justificar a emergência da providência para evitar que ficassem os jovens circulando pelas ruas das pequenas cidades, sem perspectiva alguma de emprego. Destinava-se o
modelo emergencial ao barateamento dos produtos ali produzidos para serem competitivos com a China. Aquele país inundava o mercado com ofertas de produtos mais baratos, dizimavam os concorrentes brasileiros. Fábricas de calçados, eram fechadas como ocorrido no município de Franca-SP.

Carros de som dos sindicatos nas portas das cooperativas, notas de repúdio às empresas, que eram violentamente discriminadas pela ausência de assinatura da carteira, um verdadeiro terror foi então estabelecido para encerramento do modelo, que objetivava impulsionar o trabalho no sertão pela ausência de atrativo para se empreender.

Em vão, à época, o juiz do TRT-Ceará, Arísio de Castro, recusou-se a declarar a ilegalidade dessas associações. Em decisão com relevante valor histórico, ele escreveu: “talvez porque eu saiba que o êxodo do sertanejo sem trabalho, muito mais pela ausência de mercado local do que pela força das estiagens cíclicas, está a engordar os bolsões de miséria da periferia das cidades; talvez porque eu veja que as mãos calejadas deles estão a esmolar nas ruas e avenidas das capitais do Nordeste, no mais supremo gesto de humilhação e vergonha (…) dou provimento ao recurso para julgar a ação improcedente”. (No caso, ação movida pelo Ministério Público do Trabalho para declaração de ilegalidade das cooperativas).

A despeito dessa decisão, a hostilidade ao modelo prevaleceu e foi ele extinto. O tempo passou e tal, como vaticinara aquele Magistrado, “os bolsões de miséria” foram aumentados. O número de pedintes nas ruas disparou. Crianças nas calçadas se amontoam, deixando à mostra a incerteza de seu futuro. O crescente aumento dos benefícios sociais mostrou-se estimulador do desapreço pelo trabalho, culminando com a própria rejeição de muitos à assinatura da carteira.

Isso comprova que, caso não tivessem aqueles que não disponibilizam emprego algum, radicalizado contra aquele modelo emergencial, muitos jovens com a experiência e a qualificação recebida poderiam se tornar empreendedores com uma remuneração mais digna do que o recebimento das dádivas estatais.

O sertão, por certo, não deixaria como opção para muitos jovens o ingresso em facções criminosas. O terror, a violência e a insegurança não teriam se expandido tanto porque o trabalho teria desestimulado a opção pelo crime. Raimundo Viana (foi secretário da extinta pasta da Indústria e Comércio do Ceará) estava certo. O Ceará perdeu muito ao derrotar sua iniciativa emergencial para reverter um quadro, cujo surpreendente agravamento, resultou na expulsão de moradores de uma cidade inteira localizada, por ironia do destino, no município de Morada Nova, terra do juiz falecido Arísio de Castro.

*Djalma Pinto

Advogado e autor de diversos livros, entre os quais “Distorções do Poder”, “Cidade da Juventude”, “Direito Eleitoral”, “Anotações e
Temas Polêmicos”, “O Direito e o Comprovante Impresso do Voto” e “Infratores no Poder”.

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