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“A renúncia de Luciano Maia à Academia Cearense de Letras”

Barros Alves é jornalista e poeta

“Luciano Maia e Dimas Macedo têm suas razões que devemos respeitar”, aponta o jornalista e poeta Barros Alves. Confira:

A notícia que deixou perplexo o cenário literário cearense na semana que passou foi a publicidade dada à carta-renúncia que o poeta Luciano Maia enviou ao presidente da Academia Cearense de Letras, Tales de Sá Cavalcante. Secunda outro preeminente nome da Poesia cearense, o poeta Dimas Macedo, que já abandonara o mais antigo sodalício literário do Brasil e, sem favor, o mais importante entre os muitos que tem o Ceará, cuja história sempre foi um celeiro de associativismo cultural, a partir dos Outeiros (1813 a 1817), passando pela Padaria Espiritual (1892 a 1897), o Grupo de Literatura e Arte, mais conhecido como Grupo Clã (1942 até limiar dos anos 1980); o Clube dos Poetas Cearenses (1969 até o limiar dos anos 1980), do qual fui presidente (1979-1981); entre outros que foram protagonistas na cena literária do nosso Estado ao longo dos dois últimos séculos. Luciano Maia e Dimas Macedo têm suas razões que devemos respeitar. Algumas conhecidas, como é o caso, por exemplo, do incômodo causado naquele sodalício com a eleição de personalidades não caracterizadas pelo fazer literário, sem que se lhes desmereçam qualidades de caráter cultural e de mecenato.

Diz-se que há atualmente uma crise nas Academias. Eu não partilho da mesma opinião quando consulto a história de algumas delas, daquém e dalém, em especial a nossa Academia Brasileira de Letras, onde, por iniciativa e mercê de ninguém menos do que Joaquim Nabuco, alguns “notáveis” tiveram ingresso na Casa de Machado de Assis. “Não devem ser muitos, mas alguns devemos ter”, teria justificado o grande abolicionista para convencer seus pares a aceitarem essa abertura que, com efeito, foi vitoriosa. Diz-se que inicialmente Nabuco sugeriu o nome do Barão do Rio Branco (1845-1912) para ocupar cadeira na ABL. Foi questionado: “Mas, o Barão não tem livro publicado!” Nabuco redarguiu: “Rio Branco está escrevendo o mapa do Brasil.” O inexcedível diplomata subiu ao pódio. Muitas são as histórias que correm sobre o ingresso de “medalhões” da Política, do mundo empresarial e mesmo sem excelsos talentos literários nem filológicos que ingressaram na ABL, em razão de notórios apadrinhamentos que ensejam a eleição de pessoas, digamos, com mais “inteligência emocional” em detrimento de eminentes intelectuais, reconhecidamente semeadores de boa literatura. No plano dos ungidos em face de circunstâncias, inscrever-se-iam por agora nomes como o do jornalista Merval Pereira, da atriz Fernanda Montenegro e do cantor Gilberto Gil, este bem melhor assentado numa Academia de MPB. Sem esquecer o ideologismo politicamente correto que norteou a eleição do indígena Ailton Krenak. Igualmente ao que presenciamos atualmente, o que para mim não configura crise, mas efêmeros desvios, em momentos do passado assim já caminhavam as academias. Dou como exemplo a Academia Brasileira de Letras-ABL. Lá pontificam nomes de “notáveis” desde os começos da existência do velho santuário das Letras pátrias. Daí é que vestiram o fardão: o ditador Getúlio Vargas (1882-1954), o inventor Santos Dumont (1873-1932), o empresário e político Assis Chateaubriand (1892-1968), o cirurgião plástico Ivo Pitanguy (1923-2016), o general Aurélio de Lira Tavares (1905-1998), entre outros.

Registro publicamente pela primeira vez, uma conversa que tive com o poeta Cláudio Martins, que presidiu a ACL de 1975 a 1992, portanto durante 17 anos. Circunspecto e incomodado, ele ouviu minha crítica juvenil (e injusta) à Academia, em razão da eleição de um jornalista com quem tive uma verrinosa polêmica. Sereno, o Dr. Cláudio ensinou: “Meu jovem você ainda verá que há raios de sol escondidos sob o nevoeiro. Enquanto eu for presidente desta Casa ingressarão os literatos vocacionados e os circunstanciais. O único compromisso de todos é manter viva a Academia.” Sabe-se que depois da gestão do Dr. Cláudio a Academia foi presidida por luminares das Letras, os quais, porém, falecia a capacidade gerencial, o tino administrativo, pois no espírito desses sobrava Poesia enquanto minguava disposição para amealhar recursos para manter a Academia. Ao contrário do poeta pertencente ao clã dos Martins, que emprestou vigor aos lauréis acadêmicos. O Dr. Cláudio foi para nossa Academia, mutatis mutandis, o que significou o jornalista Austregésilo de Athayde para a ABL. Ambos souberam aliar o gosto pelas Letras com o apreço pela providencial pecúnia, que, aliás, é o que mantém o abrigo de tantas vaidades.

No caso dos poetas cearenses resignatários, não é a láurea acadêmica que os faz imortais; imortaliza-os as obras de imenso valor estético que produziram, notáveis pelos elementos que as compõem: fundo e forma, substância e expressão, palavras e ideias; mas, sobretudo, obras que conduzem o leitor à essência da Arte Poética no sentido pleno que o termo possa ser compreendido e absorvido. A Academia perde dois pilares, sem dúvida; mas isto não significa o apocalipse.

Barros Alves é jornalista e poeta

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