Com o título “A Temperatura do Aquário”, eis crônica de Maurício Filizola, empresário, diretor do Sincofarma-CE e diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Confira:
Quando criança, ganhei um pequeno aquário. Nele viviam cinco peixinhos coloridos e se movimentavam em demasia. Cuidei com zelo, alimentando-os, trocando a água e observando suas rotinas como quem assiste a uma novela. O que eu não sabia, à época, é que havia uma lição profunda nadando ali, silenciosa.
Um dia, por distração, deixei o aquecedor desligado. A temperatura caiu, e lentamente, um a um, os peixes começaram a se mover com lentidão, até que o último deles parou de nadar. Meu pai, percebendo minha frustração, explicou: “Filho, peixes são sensíveis. A água em que vivem define seu ritmo, seu estado, sua sobrevivência. A culpa não é deles. É da água.”
Demorei anos para entender que nós também somos assim.
O ambiente em que nos mergulhamos determina mais do que imaginamos. As palavras que escutamos, as ideias que nos cercam, os hábitos que testemunhamos — tudo molda a temperatura da nossa alma. E sem perceber, vamos ajustando nosso “nadar” ao que está ao redor.
Quer ver? Se convivemos com quem reclama de tudo, logo reclamamos também. Se estamos entre os que zombam do amor, começamos a achar o afeto ridículo. Se cercados por quem não acredita no sucesso, passamos a diminuir nossos sonhos. O cérebro, como o aquário, busca adaptar-se. Mas nem sempre isso é positivo.
Na minha jornada de aprendizados aprendi que a neurociência chama isso de neurônios-espelho — o mecanismo que nos faz imitar comportamentos à nossa volta, mesmo sem querer. Já o coração, esse poeta silencioso que vive em nós, chama de influência. A sabedoria popular resume em uma frase tão antiga quanto certeira: “Diga-me com quem andas…”
Mas talvez o dito precise ser atualizado: diga-me com quem mergulhas, e eu direi para onde nada sua vida.
É por isso que, com o tempo, aprendi a escolher meus aquários. A me afastar de águas turvas, de temperaturas frias, de ambientes que me adoecem. E, sobretudo, a mergulhar com peixes que nadam para frente, que acreditam na luz, que celebram cada bolha como se fosse um milagre.
Aos que me dizem que isso é elitismo emocional, respondo com serenidade: é cuidado. Cuidar da alma é escolher onde ela habita. E, às vezes, isso exige coragem para trocar de aquário, mesmo que doa deixar alguns peixes para trás.
O sucesso, afinal, não é só sobre chegar longe. É sobre com quem se vai — e em que água se escolhe nadar.
*Maurício Filizola
Empresário, diretor do Sincofarma-CE e diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC).