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“Adeus à natureza”

Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política

“O bolsofascismo provocou um impacto negativo nas políticas ambientais”, aponta o cientista político Alexandre Aragão de Albuquerque. Confira:

Em 1982, nos estertores na ditadura militar, às vésperas de completar 80 anos de idade, nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), mineiro de Itabira, expressou sua inconformidade com a destruição de uma obra-prima da Natureza, o Salto de Sete Quedas, patrimônio natural do Brasil e da humanidade, publicando o poema “Adeus a Sete Quedas”:

Sete quedas por mim passaram, E todas sete se esvaíram. Cessa o estrondo da cachoeira, e com ele A memória dos índios, pulverizada Já não desperta o menor arrepio.

Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, Aos apagados fogos De ciudad real de guaira vão juntar-se Os sete fantasmas das águas assassinadas Por mão do homem, dono do planeta.

Desfaz-se Por ingrata intervenção de tecnocratas Aqui sete visões, sete esculturas De líquido perfil Dissolvem-se entre cálculos computadorizados De um país que vai deixando de ser humano Para tornar-se empresa gélida, mais nada.

O Brasil vem sofrendo um forte atentado político desde 2016, momento histórico da derrubada do projeto popular eleito nas urnas pela quarta vez consecutiva, presidido naquele instante por Dilma Rousseff. A partir de 2018, com a chegada do bolsofascismo ao poder, o alargamento deste atentado se viabiliza trazendo como uma de suas facetas maléficas a depredação do meio ambiente.

O bolsofascismo é um fenômeno político e social de extrema direita que emergiu no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro, como consequência do clima de “guerra híbrida” instalado no país para estabelecer a extenuação da política, por meio da manipulação da opinião pública, induzindo a um movimento de ódio sistemático da população aos governos petistas, com intuito de favorecer a chegada do autoritarismo ao poder, para escancarar as porteiras da política nacional à agenda neoliberal de apropriação privada da riqueza comum da nação, opondo-se diametralmente às democráticas conquistas sociais dos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2015).

O bolsofascismo foi a vertente política escolhida pela classe dominante como meio de garantir-lhe a concentração e a centralização do Capital, beneficiando os grandes conglomerados empresariais à custa da maioria da população brasileira, que durante os quatros anos daquele desgoverno viu crescer a fome pela destruição dos programas sociais.

Nesse período, cerca de 700 mil brasileiros foram a óbito, grande parte pela insanidade daquele governo federal, conforme apurou rigorosamente a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal da Covid-19, instalada em 27 de abril de 2021, cujo relatório final foi apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB – AL), em 20 de outubro daquele ano.

Somando-se a isso, o bolsofascismo provocou um impacto negativo nas políticas ambientais, no achincalhamento da soberania nacional, nos ataques sistemáticos aos Poderes constituídos, de forma particular ao Poder Judiciário, além de uma campanha contínua de agressão a profissionais de imprensa, de universidades, da cultura e a lideranças de movimentos populares.

Importa registrar para que uma proposta autoritária de governo venha a receber acolhimento da parte de diversos segmentos da população é fundamental que o componente ideológico entre em ação para conduzir corações e mentes rumo a uma tomada de falsa consciência da realidade. Ou seja, por meio da ação ideológica, é essencial construir um conjunto de crenças socialmente difundidas que exprimam pseudorrealidades, fundadas nos interesses da classe dominante.

Assim, a ideologia da classe dominante empreende uma função de ocultação, de mascaramento, sem que haja consciência desse processo pelos membros da sociedade. Sua finalidade é escamotear as contradições vivenciadas pela sociedade real. Desse modo, os interesses recônditos dos poderosos impulsionam a elaboração, a manutenção e a atualização de complexos ideológicos, representados por ideias e valores religiosos, filosóficos, políticos, estéticos, jurídicos.

A ideologia, neste caso, apresenta-se como o esforço para naturalizar e universalizar pensamentos e pautas de ação prática que têm por fim legitimar, mediante motivos aparentemente racionais e objetivos, atitudes sociais favoráveis aos interesses inconfessáveis de uma minoria econômica. Portanto, neste sentido, a ideologia é um meio de dominação de classe.

Ela faz com que, no cotidiano, a exploração ou situação de restrição econômica sejam acolhidas de modo natural pelos explorados, ou seja, como não sendo um produto das relações sociais determinadas. Logo, a condição para a reprodução do sistema neoliberal capitalista implica a posição acrítica das coletividades em face das desigualdades. Quanto mais a consciência ingênua aparece como a verdadeira e única consciência possível, mais contribui para fazer os explorados aceitarem de bom grado sua exploração.

Vê-se diante da tragédia das recentes enchentes do Rio Grande do Sul algo que reflete tal situação. Por exemplo, muitos bolsofascistas se apressaram em afirmar que a culpa é das águas. Outros correram a produzir fake news e conteúdo de açodamento do caos, insensíveis a mais esse sofrimento humano de larga escala. Não se viu, até o presente momento, algum membro da extrema direita denunciando a falta de planejamento estratégico para evitar tais catástrofes. Como se sabe, planejamento estatal é algo indigesto para o pensamento neoliberal.

Vamos encontrar no ano de 2019, conforme matéria publicada em 08/05/2024 pelo Brasil de Fato, o governador Eduardo Leite (PSDB – RS) alterando quase 500 artigos do Código Estadual de Meio Ambiente, que fora promulgado em 2000, após nove longos anos de debate com a sociedade. Revogou-se, por exemplo, o capítulo que estimulava a proteção ambiental, retirando-se o veto à comercialização e venda de florestas nativas. Além disso, acabou-se com o item que impedia a supressão de plantas sob risco de extinção. E por fim, implantou-se o autolicenciamento, no qual o Estado se abstém de fiscalizar, transferindo irresponsavelmente o discernimento para o interessado economicamente na exploração do meio ambiente gaúcho.

Eduardo Leite foi mais além. Contra a grande maioria da sociedade gaúcha, ele alimentou o sonho da COPELMI MINERAÇÃO LTDA abrindo “a porteira da boiada” para a implantação do projeto Mina Guaíba, a maior mina de carvão a céu aberto do continente, às margens do Rio Guaíba, localizada nos municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul.

Esse projeto pretendia minerar mais de 166 milhões de toneladas de carvão, 422 milhões de metros cúbicos de areia e 200 milhões de metros cúbicos de cascalho. Seria instalado a 16 km do centro de Porto Alegre em uma área de 4.373,37 hectares (equivalente a 4.373 campos de futebol). A proposta da Mina Guaíba colocaria em risco a fonte de abastecimento de água de toda a região metropolitana de Porto Alegre, pela proximidade com o delta do Jacuí que forma o Lago Guaíba, além da perfuração de lençóis freáticos preservados com grande grau de pureza, ameaçando o abastecimento de 4,5 milhões de pessoas.

Ecologistas advertiram que haveria brutal contaminação da água e do ar por metais pesados – zinco, cobre, mercúrio, chumbo, cádmio – além da turbidez maior dos cursos de água com pó de carvão afetando flora, fauna e humanos. Diante da mobilização da sociedade organizada, a juíza federal Clarides Rahmeier anulou o licenciamento do projeto, citando várias falhas no processo.

Por fim, importante destacar que a tragédia atual do Rio Grande do Sul ocorre oito meses depois dos danos causados pelo ciclone extratropical que atingiu o estado em setembro do ano passado. Depois das calamidades de 2023, o governador Eduardo Leite destinou apenas R$50 mil para equipar a Defesa Civil estadual.

Indaga-se assim, seria a recente catástrofe, numa análise simplista, produto apenas das forças das águas ou resultado de uma forma humana de estar no mundo, de um modelo de desenvolvimento neoliberal, monopolista, financeiro, para o qual Deus é o Lucro, não importando as consequências ambientais e humanas?

Em última análise, percebe-se que a simples compreensão crítica ou científica da essência estrutural do modo capitalista de produção não consegue eliminar seu fundamento ideológico. Para que haja a eliminação da instância ideológica torna-se imprescindível a ação da práxis social transformadora da realidade, de caráter nitidamente político. Dito de outra forma, a aparência decorre da realidade e dela depende; para alterá-la é preciso mudar a realidade.

Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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